domingo, 7 de setembro de 2014

Ordinary Madness

“It is a great feeling to know
That from a window
I can go to books to cans of beer to past loves.
And from these gather enough dream
to sneak out a back door.”

Gregory Corso, in The Vestal Lady On Brattle

Será que o consegues imaginar, cansado, envelhecido por mais um dia a fazer
O mesmo de sempre, a mão a pousar o molho de chaves em cima da mesa
Onde está um livro que tenta ler, há muito tempo, mas hoje não que está cansado,
Hoje prefere mergulhar no sofá e deixar-se levar pela latência hipnótica das imagens
Projectadas por uma cadeia de lavagens cerebrais e lobotomias, apaga a luz para
A casa parecer menos vazia, há sempre mais possibilidades na escuridão,
Pelo menos a ilusão tem mais espaço, consegues imaginá-lo a dormir
Com o braço tombado, mão no chão onde jazem latas vazias de cerveja,
A cara camaleónica a mudar de cor conforme o que tentam vender nas televendas,
A boca aberta, a ressonar de barriga para o paraíso, tenta também imaginar-lhe
Os sonhos, três mulheres deliciosas, nuas, com pedaços de relva nos joelhos,
A pedir presença lá dentro, a solidão é do tamanho do apetite e os dias
Dão-lhe tão pouco, imagina o que fazem os quatro, a confusão de corpos
Num corpo adormecido e só, até que um despertador de metal o acorda,
Imaginas claro, que pragueja, com o cabelo lambido por todos os cordeiros do sono
E todas as cabras da vida, os olhos remelosos e o hálito felizmente sem testemunhas,
Mas podes imaginá-lo no nascimento mágico de mais um dia, um dia que decerto
Imaginas completamente diferente do teu, ele levanta-se do sofá, faz café,
Conheces bem o sabor do café, mas a tua boca não é a dele, os teus dias não são
Os dele e contudo achas que o conheces tão bem, imagina o espelho a olhar-te
Nos olhos, o que pensará de ti, será que também o consegue imaginar
A meter a chave na porta e sair, acabaste de passar por ele na rua,
Será que deste conta que olhou para ti e não te viu.

06.09.2014

Turku


João Bosco da Silva

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