sábado, 18 de outubro de 2014

Regresso Ao Admirável Mundo Novo (Não o de Aldous Huxley)

Ficção paranoide e distopia sem enforcamentos,

Ainda as manhãs de Junho eram possíveis sem despertador, o negrilho estava
Longe de secar, e cada moeda era quase tudo, o quiosque ainda não tinha sido
Arrancado pelo progresso, e no jardim antigo ainda se via gente,
Num bolso as moedas que se juntaram da mesada para o pequeno-almoço
Na escola, é para comeres um bolo, dizia a mãe antes de sair,
No outro bolso um saco de plástico preto para esconder o pecado,
Dentro do quiosque aquele cheiro a papel delicioso como a pão fresco,
Lá fora as revistas penduradas com molas da roupa e os jornais sob
Pedras para não tomarem asas, ignorava os horrores que aquelas
Páginas revelavam diariamente, ao fundo, numa caixa de cartão
Lá estavam, as revistas de banda-desenhada, quinhentos escudos,
Compro duas e sinto-me com uma estranha culpa ou medo,
Terei que me confessar, só pode ser pecado, o dinheiro que era
Para comer, gasto num luxo, num vício, despeço-me do senhor J,
Enfio as revistas no saco preto, não antes de as abrir e inspirar
Fundo aquelas páginas frescas, mostro uma à mãe, a outra
Escondo-a directamente debaixo da cama, junto das outras,
Sei que ela não aprova, mas a sombra do negrilho não se interessa,
Os deuses esperam, o futuro espera, cheio de traficantes de órgãos,
De implante de chipes de crédito, raptos para te transformarem num
Actor do teatro da dor, o futuro que tem chegado tem teatros do ridículo
E teleimplantes de futilidade aumentada, lobotomias por reforços positivos
Que resultam no desenvolvimento do volume do indivídio inversamente
Proporcional à capacidade cognitiva, o uso do endeusamento de figuras
Destituídas de valor para disseminar a alienação usando a receita de Watson,
 A venda pelo medo, do medo, oscilações do mercado de acordo com o pânico
Pandémico, as competências artísticas herdadas geneticamente
Ou injectadas em salões de ópio e casas de putas pedantes e eruditas,
Neste futuro presente, tão pouco de ciberpunk, hoje, aquele outro futuro distópico
Parece-me uma utopia, não se perseguem mutantes porque ainda não surgiram,
Perseguem-se uns aos outros, por pensamentos, actos e omissões,
Por culpa e sem culpa, escravos das ideias de líderes e fanáticos, escravizam,
Séculos depois de Libertatia, este futuro, onde andam os vírus informáticos conscientes,
Discórdias cibernéticas, bites desperdiçados em vez de sangue derramado,
O transplante de cérebro é uma das poucas previsões certas,
Bastante eficiente para erigir exércitos de idiotas consumistas,
Hamsters no moda, correndo numa roda, uma fonte energética
Vital para o funcionamento do movimento de rotação da terra,
O Miguel O´hara tão real quanto o Super-Homem de Nietzsche,
O superação do animal e do humano pelo corporativo, eis o futuro,
Hoje é quase inverno, as revistas acumulam humidade, o papel
Cheira a mofo, se o inspiro fundo arrisco-me a uma pneumonia,
Se vivo muito, arrisco-me a morrer, estava bem melhor além,
Naquele Junho, longe deste futuro, não tão longe assim, apesar de tudo,
Debaixo do negrilho que secou, a ver o futuro aos quadradinhos,
Que apesar de distópico, não se aproxima da palhaçada
Em que isto tudo se tornou, faltam cabines de suicídio para aqueles
Que se julgam eternos e uma indução da ideia para bem e alívio
Dos que são perseguidos por esta geração de inquisição mutante
E transvestida  pelos ares da modernidade e do progresso,
Camuflando-se e confundindo-se com os nossos desejos
E necessidades, somos um mutante híbrido, um apêndice iludido
Com ideias de livre-arbítrio, revejam-se os ensinamentos de Tyler Durden.

18.10.2099

Nova Prospekt


João Bosco da Silva

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