quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Coprologia Poética

Ando há semanas para escrever este poema, misturei tanta uva que nem sei,
Até enfiei umas amoras à mistura, era para ser algo sobre fazer pão de madrugada
Numa aldeia francesa, ou a rua deserta da noite povoada por cães vadios
De uma vila portuguesa onde restam poucos burros sob um luar de vinho tinto,
Era para ser destilado, entretanto decidiu-se deixar fermentar, pensou-se
Em usar um copo de whisky japonês, não whiskey, atenção que aqui não há brutos,
Hibiki, envolvido com uma manta Maasai enquanto a neve lá fora quase a crepitar
E dentro a companhia dos poetas irlandeses, mas não, ficou-se pelo material
Fermentável e pelo vento que varre a infelicidade das memórias e torna o passado
Num paraíso sem retorno possível, decidi beber antes de começar a esmagar tudo
Sob os meus pés sensíveis de croprologista, esmagando cada segundo com
A violência que me empurra os olhos contra o cérebro, é a vida, e é,
O estômago já aguenta tanto que passo semanas sem vomitar, e há cada vez mais
Santos, mais deuses, mais poetas e ainda mais críticos apaixonados pelas pinceladas
Do próprio cu no papel higiénico demasiado fino, pena não cheirarem os dedos,
Entretanto, fermenta, este poema não é o resultado, é o processo, não é poema sequer,
Claro que não, é uma merda, e têm toda a razão, mas é necessária e inevitável,
A diferença é que eu cheiro os dedos e lavo as mãos, o tempo dá outra forma ao açúcar,
Mas não sem ajuda, e é isto, não se vê, mas está lá, fermenta, a merda num poema.

11.12.2014

Turku


João Bosco da Silva

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