terça-feira, 11 de março de 2014

Noite De Poker

Tudo ficou naquela noite de poker, jogamos a fósforos,
De certeza que hoje já todos perderam a cabeça,
Quase tantas vezes quantas as vezes eu perdi a minha,
Não me lembro quem acabou por ganhar, sei que eu perdi,
Tenho agora as mãos cheias daquela noite e todas as suas
Possibilidades gastas nos dias que me afastaram dela,
Uma noite onde se encerrava um novo caminho, azul, de luz,
Escolhi dormir sobre a ressaca na segurança de uns dedos limpos
No primeiro Sol quente da manhã, e hoje sou apenas o que os
Pés me andaram, ou onde os pés me trouxeram, aqui, longe
Do café onde engoli em cerveja o arrependimento do que
Não mordi com a mesma vontade com que reescrevi toda a minha
Vida pelo filtro de um passo que ficou por dar, uma dentada,
Na verdade, menos uma foda, menos uma foda das muitas mais
Que ficaram por dar do que as que foram dadas, imitação de
Poeta com menos vontade de viver do que uma cabeça no forno,
Corta-se na abdicação de noites e sonha e exalta os curtos
Pecados que chocam na sinceridade os hipócritas fazedores
De cornos para si mesmos e para os amigos de bater nas costas,
Ficou tudo por ali e agora dizem-me que poderia ter sido eu,
Mas fui eu, eu que fiquei à porta dos olhos da vontade,
Agora olho e parece-me que fiz mal em não trocar a vaca
Pelos feijões mágicos, fiz mal, fiquei sem fósforos e a caminho
De mais uma para nada, mas o vazio maior da minha companhia sem
Os ecos dos gemidos que aquele que poderia ter sido, hoje
Provoca na mesma língua que a minha, mas sem o ser, perde-se
Sempre que se nega à vontade todas as possibilidades de um erro
E assim, o erro revela-se com todas as incertezas pelo durar fora.

19-02-2014

Coimbra


João Bosco da Silva
Insónias Em Garrafas Vazias

Ninguém acredita que como tapas às quatro da manhã com muita cerveja
E o Hemingway a medir o peso dos seus tomates com unidades de coragem
E machismo, eu ganho-lhe sempre, estou vivo, tenho o tomates cheios
De ressentimento e passo pela pior guerra de todas, a que travo todos
Os dias comigo mesmo, nem quando durmo tenho descanso, quem diria que
Um puto tão sossegado, engulo mais uns goles, deixo garrafas espalhadas
Pelo caminho que ninguém lembrará, morto, tudo, até a coragem, os
Tomates mais secos que o bacalhau da Noruega, por isso invejo a barba
De Dostoievski ou a de Whitman, enquanto a verdade fermenta na forma
De quem teve uma guerra mais íntima e todas as noites tinha a morte
Nas mãos, eu estive lá, naquela carne rejeitada pelas guerras, sem
Amor, mentira para roer até a fome desistir também, traições contadas
Como se possível também nos olhos reais, há muito que fica por dizer
Por pena, mas mais fica por dizer por medo, toda a gente sabe que
A maioria dos heróis nunca o foram por falta de testemunhas, durmam
Todos os génios enquanto todo o armamento dorme na companhia de
Toda a energia potencial e o medo de falar em público, leva o
Cheiro de uma cona nos dedos, ou a certeza do cheiro depois da
Apresentação da alma dissecada, para poderes dormir sem medo no
Teu esperma derramado no granito irmão do que me pariu, longe de
Todos os sonhos boreais, onde se espera o degelo como a vida.

19-02-2014

Coimbra


João Bosco da Silva