segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Satori No Aeroporto

Bebi duas cervejas em menos de vinte minutos, em jejum, espero o embarque,
Bebi porque estava atormentado pela carne e pela possibilidade, sempre,
De festins nas casas de banho, afogado em olhares, lembro-me de Céline,
E espero, tento escrever algo, mas a caneta também não tem coragem, falta a tinta,
Escoa-se com os anos, dizem que ainda têm que limpar o avião, vinha de Hong Kong,
A violência dos beijos russos ao lado, a promessa de garotos na lata de sardinhas civilizadas,
Céline, que sossego deve ser a morte, sem os sorrisos estúpidos de quem está só,
E pede caralho, cu, ou cona, sem o bafo pestilento de quem insiste em gorgolejar
Um idioma frio, sem fome e sem vontade, tornaste-te num mestre zen e essa sim,
Foi uma viagem, era capaz de morder alguém, dar-me corpo e mais olhos, mas não,
Levanto-me fodido com a caneta, ela o mundo todo, vou à casa de banho,
Retraio o prepúcio ao máximo e mijo, mijo contra um pedaço de merda agarrado
À sanita, mijo contra o mundo, até a sanita ficar limpa, por fim, algo imaculado.

Helsinki

07/08/2014


João Bosco da Silva
Viagem Antes De Partir

Devia escrever algo porque não há mais nada, é por isso que se escreve na solidão e na merda,
Quando o mundo faz tudo menos ser infeliz e só, entre o barulho que se encontra no silêncio
Absoluto da invisibilidade, não há nada mais a fazer, espera-se um milagre que se sabe
Impossível, mesmo assim, escreve-se, porque o milagre é esse, não esperar nada, acreditando
Que ainda é possível ser além do silêncio, um silêncio cheio da vida dos outros, como ler
Um livro em silêncio cheio de si mesmo, a morte chega sempre e ninguém a toma como
Libertadora, é isto e é triste como a vida.

João Bosco da Silva

18/07/2014


Turku