quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Dentada Numa Noite Perdida

«”It´s okay, girl, we´ll
make it
Till the sun goes down forever
And until then what you got
to lose
But losing?   We´re fallen
angels
who didn´t believe
That nothing means nothing.”»

Jack Keroauc, Book of Blues

Podia voltar, enganar a fome a que chamam saudade, aquela fome do que se comeu,
Do perdido, do que digerimos de forma irreversível e faz parte de nós, podia voltar,
Mas nunca seria a mesma coisa, eu não teria os mesmos olhos, a minha língua tomou calo
Com os anos, os meus dedos só sentem na profundidade e mesmo aí, duvidam se vale
Realmente a pena, podia voltar, mas tu não serias tu e mesmo que fosses, eu não seria eu,
Ainda que aquela rua exactamente igual, à mesma hora de outro dia, de outro ano,
Nunca seria tão intenso e real como a memória que ficou dos teus dentes a rasgar a carne
Da noite e do meu lábio inferior, querias-me levar dentro, engolir-me, tornar-me saudade,
Teu, hoje somos apenas nós, eu, tu, nunca aqueles que fomos, esses vivem ao lado do sonho,
O taxista que me levou a casa ainda deve andar farto de fazer o mesmo, a queixar-se que está
Tudo cada vez pior, deve ter as suas razões, eu digo que está cada vez tudo a tornar-se nada,
Constantemente e a nossa maldição é trazer o saco de carne cheio de fantasmas, tão reais
Como a dor que se sente, aquela dor de ausência, uns chamam-lhe saudade, eu nem sei
Ao certo em que rua foi, nem qual era a cor do táxi, nem se o taxista tinha bigode,
Mas ainda consigo sentir o teu sabor, a textura da tua língua e a dor latejante que levei.

03/09/2014

Turku


João Bosco da Silva