segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Sonhos E Afogamentos

Tenho tanto para dizer, mas atropelam-se as palavras, tu sabes, como quando
Te quis beijar e quase te engoli toda com os olhos, disseste que não me dava o suficiente
E tinhas razão, acredito que tinha cara de quem ia acabar afogado, olhar para ti
E ver-te tão presente era para mim, à distância que separa o toque, uma apneia,
Houve qualquer coisa que foi morrendo de hipoxia, enfartou, deixei de poder sentir
Que me afogava quando os olhos mergulhavam com vontade em alguém,
Talvez porque não voltei a atirar-me assim, ou aprendi a nadar demasiado bem,
Tão bem que deixei de sentir a água como lugar estranho, penetro-a por vingança
A mim mesmo, apesar de já não me convidares para uma cerveja em salões de chá
Na cidade antiga, ainda me surpreendes em sonhos, mas neles sorrio-te sem aflição,
Beijo-te e sinto apenas o prazer do teu toque, ou o prazer que o teu toque
Me daria, e simultaneamente, com a mesma naturalidade com que se sorri ao ver
Uma borboleta no nariz de alguém, enfio-te devagar um dedo e sinto-te demasiado
Apertada para seres real, significa outra coisa completamente distinta, é um sonho,
Ou talvez seja como o cachimbo do outro, o que sinto no meu dedo, ou no que o cérebro
Diz ser o meu dedo, sem o estímulo externo do teu diâmetro quente, sinto apenas
O prazer de ti, como naquela noite em que levei o teu cheiro íntimo e no peito
Nada se movia, só fora latejava a vontade que não cheguei a verter em ti,
Vingança contra mim mesmo, tantas vezes te encontrei em ninguém, nenhuma
Voltou a ser tu, quase os teus lábios, um dente parecido ao teu, a cor do cabelo
Quase quando o Sol num certo ângulo, livros, mas diferentes, nunca a mesma
Dicção afiada e olhar com a profundidade de milénios, mesmo que me alivies
Nos sonhos a fome da tua presença com uma não autorizada, julgo que só a boca
E as mãos e a pele toda, sem palavras, poderão dizer tudo de uma vez
Quando me voltares a ser de carne e cheiro, não me lembro do teu cheiro nos sonhos,
Nos sonhos sofro de anosmia, mas lembro-me bem dele quando te senti fora de mim.

20.09.2014

Turku


João Bosco da Silva