sábado, 12 de setembro de 2015

Não Sei Para Quê

avô Jorge,

E agora, agora falamos de ti como se fosses alguém que não pôde vir este ano,
Ou estivesse de férias noutro lado qualquer, custa-me aguentar quem se senta no teu lugar,
Não me importava de estar a noite toda a apertar-te a mão, a eternidade se fosse possível,
Agora és apenas dentro de nós, cada um à sua maneira, nenhuma tu, raios partam a morte,
A lareira e o vinho tinto já meio vinagre sem ti sabem a desespero, a saudade, ao mar que
Atravessaste mas nunca provaste, agora parado, nas fotos, eterno, se o papel o fosse,
Eterno se as memórias em segunda mão levassem alguém ao fim dos tempos,
A cada gole que dou no sofrimento é um segundo em que te recupero, deixei
Crescer a barba e sabes, não é ruiva como a tua da minha idade, os pulsos
Continuam a aguentar mortes e o peso do mundo que carrego, e a vingança é um prato
Que não consigo deixar arrefecer, tenho que lho espetar logo no focinho,
Agora falamos de ti nos lugares comuns, onde faltam árvores, onde se plantaram outras
No que a memória falhou, uns bois de cortiça ali, umas maçãs além, tu em todo lado,
Enquanto houver quem te semeie, não te envergonhes de mim, nem naquilo
Que sou mais forte, sou o mais forte, a aldeia onde vivo é demasiado grande,
Desculpa-me, nunca te quis fazer memória, sei que emigraste para longe e não voltarás,
Acredita que todos os dias também eu me perco um pouco mais para sempre.

12.09.2015

Turku


João Bosco da Silva

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