sábado, 28 de novembro de 2015

carving shit

there are those
who have lack of it
they push it out
force it
then, when it drops
they cut it
and carve it
until it looks
something like
poetry
but instead of poetry
it is just a sculpture
made of shit
it will always stink
no matter how much
they try to make it
look good.

and these are the ones
who want
to teach you how to
write
poetry.


B.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Do Norte Com Medo

Dynamo, Turku,

Entrei num bar, foi o mesmo bar onde entrei umas centenas de vezes, onde até fodi
Nas casa de banho, onde conhecia o bartender,  pedi uma cerveja da terra ali, ao balcão,
Veio um filho da puta parecido ao ibraimovich a pedir credenciais de finlandês,
Dei-lhas todas nos cabelos brancos, engoliu-as com a cerveja, veio um amigo,
Borra-botas, finlandês puro, que levava no cu mil vezes dos russos se a guerra
De inverno fosse hoje, a insistir que eu era da Síria, depois da carta de condução com
Os óculos foleiros, e do cartão de cidadão com o penteado de sempre mas sem barba,
Mas tinha que ser da Síria, e tinha que ter uma bomba, até que vieram expulsar o
Filho de uma grande puta finlandesa, porque eu conhecia o bartender, ficou a besta
Do amigo, que insistiu no mesmo, porque não podia ser português por não conhecer
O Nuno Feist, quem caralho é o caralho, sinceramente, eu que nem sei quem é o
Filho da puto do primeiro-ministro, era da Síria portanto e tinha uma bomba,
Sinceramente, antes tivesse e rebentava uns quantos filhos de um cabrão
Ignorantes que nem se dignaram a ouvir-me e me rotularam de iraquiano
Ou algo com bomba porque falava sem medo mais alto que eles e me defendia,
E esta é a filha da puta da europa que fica depois do medo, e este é o ódio
A tudo que tem barba, a tudo que mexe, a tudo, justifique-se ou não,
Esta é a europa, que arrefece, que gela, que treme, que morre e foi uma grande mentira.

26.11.2015

Turku


João Bosco da Silva

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Cafés Dos Verões Abandonados

No fim, acabamos como aqueles cafés abandonados perto das pontes das estradas nacionais,
Com as janelas partidas, as portas arrancadas, um cemitério de cagalhões sepultados com
Pouco papel, umas cuecas, moscas secas presas a teias abandonadas, onde ecoam verões
Esquecidos nas paredes cobertas de poesia como muita e outras declarações desvanecidas,
Memórias de gritos de alegria e salpicos inocentes, malas térmicas infinitas, os primeiros
E últimos engates, as amizades que por preguiça se deixaram ficar a secar ao sol até que delas
Só o pó e a esmola de uma recordação, aqueles cafés pelas tardes adentro e madrugadas fora
Em tempos de outras inocências perdidas, agora como um preservativo usado e seco
Pelo sol e geadas, o coração vazio, onde ecoam os verões de peito cheio, no fim esperamos
Apenas a companhia de um alívio mundano, numa pressa seca, uma sacudidela, um espasmo
Que assuste os fantasmas dos dias que se apagaram todos na noite que se traz dentro.

23.11.2015

Turku


João Bosco da Silva

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Excerto Do Livro Dos Mortos

Mr Mojo Risin

O sake e os doors têm em comum um poema, a tatuagem de uma cobra,
Geadas cortadas com o calor do sangue inebriado e a loucura do fim da inocência,
Tudo trazido para o espaço de um quarto alugado na memória,
Com a luz pobre da freguesia silenciosa a entrar pelos buracos da persiana,
Gatos saltam dos muros para nos atravessarem com a sua presença,
Ela ajoelha-se nos lençóis sujos e adora a cobra brilhante no luar artificial,
Os ombros sibilam e contorcem-se em formas contagiosas,
As paredes ecoam fracassos vingados no risco da carne, tudo acaba
Em três suspiros, a gangrena atravessa desertos frios e o mar
Apenas uma janela de autocarro evocando o distante para justificar
A derrota próxima, não compreendem a raiva, não compreendo
Ovelhas assassinas, o pulso calmo na hora da morte, o coração
Nas paredes, cavalgando todo o desespero acumulado, uma vingança
Empurrada com goles, saliva e o gosto das entranhas possíveis,
Um poema, entre acidentes esperados e contaminações prováveis,
Um poema, entre o vibrar impossível dos cristais de gelo na roupa
Que se deixou a secar, esperando o sol da tarde, um poema,
Como todos os fins poemas, todos lápides talhadas de carne e desejo,
Defuntos que assombram na esperança de um corpo que os seja,
Até que se termina, se acorda, e já não se está no quarto alugado,
Em comum só a noite, com uma escuridão antiga, a geada algo
Que se esconde em camadas de sonhos árticos, esperando
Outros degelos, o poema, sempre o último barco de cristal na tempestade.

19.11.2015

Turku

João Bosco da Silva

Poema lido por Nil Kremer: https://soundcloud.com/caminhante-harm-nico/excerto-do-livro-dos-mortos-jo
 

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Cerveja Como A Luz Dos Dias Escuros

Abro mais uma cerveja com a mesma convicção com que acordo em mais um dia,
Só a sede é diferente, hoje se não fosse terem-se acabado, nem saia de casa,
O mundo está cada vez mais perigoso e se os olhos com que te cruzas não te metem
Medo, olham-te com medo, ninguém sorri a um desconhecido, parece que
A verdade está na ponta dos pés que aceleram o passo para se fecharem atrás
De uma casa recheada de engana solidões, leio mais um poema do Bukowski,
Sobre postais, mas na verdade é sobre nos prendermos a alguém ao longo
Do tempo, mesmo que não haja nada em comum, a não ser um momento
Que acabou e por vezes, como no caso, só vive num, daí eu me lembrar do andar,
E ela dos dentes, de eu me lembrar da dor no meu lábio por causa dos seus dentes
Que hoje não reconheceria mais, e nunca desejei encontrá-la noutra vida que não nesta,
Que a cada dia que passa se mostra cada vez mais incerta e frágil,
Ganhei o meu inferno católico com os delitos que me fizeram a vida valer a pena,
É pior de suportar o que ficou por fazer, ver os teus olhos perdidos por mim, por exemplo,
Agora, abro outra cerveja, já chegou a vida arrefecer, o latejar dos teus dentes
Ter-se tornado numa imagem, tu toda uns dentes, que hoje não reconheceria,
Nem que me sorrisses sem medo e me reconhecesses entre os escombros que hoje sou.

16.11.2015

Turku


João Bosco da Silva
consumação da mágoa

eu até ouço as montanhas
a forma como se riem
seus lados azuis para cima e para baixo
e em baixo no rio
os peixes choram
e toda a água
é as suas lágrimas.
eu ouço a água
quando bebo noites fora
e a tristeza torna-se tão grande
que a ouço no meu relógio
torna-se puxadores na minha cómoda
torna-se papel no chão
torna-se uma calçadeira
um bilhete de lavandaria
torna-se
fumo de cigarro
subindo uma capela de vinhas escuras . . .

pouco interessa

muito pouco amor não é tão mau
ou muito pouca vida

o que interessa
é esperar nos muros
nasci para isto


nasci para empurrar rosas pelas avenidas da morte abaixo.

Charles Bukowski, in Mockingbird Wish Me Luck (Blacksparrowpress, 1972)

Tradução: João Bosco da Silva

sábado, 14 de novembro de 2015

Cresce E Desaparece

Quando era miúdo, não deviam mostrar tudo na televisão, ou então só via
Os bonecos de manhã e depois de fazer os deveres, se calhar os adultos
Viam todos os horrores do mundo, daí se chatearem com partilhas e
Tão sérios e cheios de segredos e sorrisos, que eles chamavam amarelos,
Mas a cor era algo nos olhos, um brilho de medo, não sei, se calhar o terror
Apenas uma semente, regada ao longo de décadas, estrumada, bem estrumada
Com o sangue distante de vidas longínquas e remotas, lembro-me de areia
E americanos e petróleo a arder, a mesma coisa que matava os peixes
E os passarinhos da praia, diziam que se fazia gasolina daquela merda viscosa,
Que me enjoava quando atestávamos a 4l em Espanha para ir a Trás-os-montes,
Não se sabia tanto de tudo, as coisas demoravam mais tempo a chegar
E quando chegavam, tinham a distância do tempo a tornar tudo ainda mais
Longínquo, hoje temo que cada gole de cerveja seja o último para me tornar
Num número de uma guerra civil qualquer, cujos interesses se escondem atrás
Da ignorância e da cegueira, se apoiam na revolta que alimentam, se calhar é o castigo
Por a memória colectiva ser demasiado curta, por se ler história como ficção, não sei,
Cada vez estou mais certo disso e menos de tudo resto, quando era miúdo, se calhar
Passei por uma fase de esquecimento, um período entre um terror e outro, sim,
A guerra fria e o medo às bombas, agora o medo é aos olhos que entram no bar,
Com um grito, evocando uma razão estúpida e o apagar incompreensível de todos os sonhos.

Turku

14.11.2015


João Bosco da Silva

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A Confirmação Da Derrota

Não foram necessários
Raios cósmicos,
Bastaram uns anos.


Aqui estou eu, mais uma vez no limite, entre uma cerveja de muitas, entre o pecado
Insuficiente e o passado glorioso purificado pelos anos engolidos fora do sacrário,
E agora, que fazer quando já não é a juventude que arde na caldeira, quando não se
Chegou a lado nenhum e o peso do nome incomoda como a necessidade de suportar
Mais um entre muitos, longe das mansardas, longe das águas furtadas em Paris,
Aqui estás tu, no limite de um sonho que se tornou corda e agora os teus pés
A centímetros do chão, tu tão morto que nem reparas, e agora fazem cálculos,
E se calhar com sorte, se for mais conveniente, lá terás mais uma amostra de glória,
És a maior desilusão que o que foste alguma vez poderia ter tido, rasgou com tudo,
Para acabares branco, velho, cansado e invisível, bebe mais uma cerveja e apaga-te,
Deixa a lâmpada iluminar o espaço que tu foste.

Turku (Brewdog)

13.11.2015


João Bosco da Silva

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Carta Da Sibéria

Avô, são muitos os rios que desaguam no lago Baikal,
Sim, o mesmo nome que a tua caçadeira soviética,
Terror dos coelhos e lebres dos montes trasmontanos,
Essa mesma que me tombou aos cinco com o coice,
Quando disparava contra o silvado desde a varanda,
Até a mula se deve ter assustado com a choradeira,
Agora não choro tanto, pelo menos não se vê, ou é seco,
Mas às vezes estou muito calado a olhar pela janela e tu não estás,
Ou estás, num lago coberto de nuvens para onde todos os rios
Convergem, e é aí que disparo e caio, mas só a tinta corre
E congela, mas por baixo a água continua a correr
Até ao lago Baikal, que uma vez uns poucos fugidos
De um campo siberiano, contornaram, alguns ficaram por lá,
Um dia o nosso sangue voltará a ser a mesma água,
Até lá, enquanto se foge da noite, escrevo-te estas palavras.

Sibéria

11/11/2015

João Bosco da Silva
Cinzentos São Os Outros

Os dias cinzentos não são tristes, triste é a cor da solidão rodeada por
Multidões de ilhas, afogando-se nas suas amarguras e medos,
Engasgando-se em sonhos inúteis e segundos estéreis tornados
Em avalanches de vazios, os dias cinzentos não são tristes e se
O inferno é cinzento, não é das nuvens, da neblina eterna,
Mas das caras que esperam, como num purgatório,
Que lhes acendam um sorriso ou a cor dos olhos,
O inferno não pode ser um lugar isolado, frio, para onde te enviam
Como castigo, é preciso alguém, muita gente para se fazer um inferno.

Aldan (sobre)

11.11.2015


João Bosco da Silva
Uma Estrada Para Khabarovsk

Quem terá construído aquela estrada para Khabarovsk, nevada,
Longa e deserta, quem a percorre e que sonhos leva, em direcção
A que pesadelos caminha, terá uma fogueira à espera, algum sorriso,
Uma língua familiar que lhe traga o lar a casa, tudo tão longe
E sempre do mesmo tamanho humano, do mesmo comprimento
Serpenteado até ao mar do esquecimento, que triste será o último
A lembrar, levará com ele todas as mortes para a morte absoluta,
Ainda há muito para andar, muito nome para dar, um longo inverno
Para trazer o próximo verão no coração, entretanto, engulo mais um gole
De café quente e regresso à distância real dos olhos próximos
E procuro nas nuvens uma mensagem que dê sentido a todos os caminhos.

Khabarovsk (sobre)

11/11/2015


João Bosco da Silva
Sakuradamon

Do cheiro a sangue no metal assassino só ficou uma placa
Em memória do incidente, hoje a presença é toda dos pinheiros
Que os turistas ignoram, voltando os olhos para a imagem em
Segunda mão de écrans, onde um portão em miniatura
Para o centro de uma história tantas vezes reconstruída,
Onde os vencidos são sempre os maus da fita, para as agulhas
Tudo isto é menos que a brisa que as move ou as patas
Da ave que as toca, o mundo, aquele que dizemos ser nosso,
Continua às voltas, enlatado, movido a morte antiga e futura,
O cisne passa e quase parece seguir-nos com os olhos,
Ao menos isso, olhos humanos pouco mais compreenderão.

Tóquio

05/11/2015

João Bosco da Silva
A Companhia Das Sirenes

Terás sempre a companhia das sirenes nas insónias de uma madrugada
Longe de ti mesmo e que bom é caminhar em direcção ao sono
Por entre sonhos adiados e bêbados, rasgados, alcatrão fora, até ao
Isolamento impossível das paredes que vibram a vida vizinha e alheia,
A noite nem se sentiu levantar e a sua queda foi tão suave e tímida,
Como os olhos que realmente ouvem, sem outro interesse além da tua visita,
Porque se mostra tão pouca gente na cidade gigante, onde não há um minuto
Sem a companhia dos que se despedem, tão estranhos quanto tu.

Tóquio

05/11/2015


João Bosco da Silva
Haikus de Café

A estas horas, no mundo
Todas as minhas vitórias
São vencidas.

Viver de verdade
É incomodar
Alguém.

Nas viagens até à
Montanha, o frio
À chegada.

O pagão ama sem
Qualquer pingo de
Água-benta.

A cerveja no bigode
E todos os sonhos
Que se esqueceram.

O Sol que não se
Trouxe, apodrecerá
As uvas.

Não tenhas medo de
Cair, a neve
Espera-te.


O valor que dás
À amizade, torna-te
Indigno dela.

Como as folhas do outono,
Regressam e nunca
São as mesmas.

Enquanto o empregado
Limpa as mesas
Penso no caminho.

Será a última, mas
Nunca será a
Última vez.

A vida quando
Abranda, passa
Mais rápido.

Yasunary Kawabata
Marão abaixo:
Neva.

Matsuo Basho nos
Ouvidos de um ganzado
No Porto.

Abraçam-se como se
Fosse a última vez.
É sempre.

Turku


11/2015