terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Post-It

Aquelas noites frias na tua pequena casa alugada, sentados à vez
Em cima do aquecedor a óleo, ao lado das tuas enciclopédias em dominó
No chão e um dos únicos livros de poesia, Aracne de António Franco Alexandre,
Naquelas noites negras sem rima, como aquela em que regressámos
Para abrir mais uma garrafa de vinho branco na geada da aldeia vizinha
E onde te penetrei a fome sem força enquanto no quarto ao lado
A tua amiga era fodida como uma freira por um puto, com a porta aberta,
E eu de pé com os meus dedos mais tu que eu, antes de adormecer
No sofá com o cigarro aceso e tudo me doía, cada manhã gelada ao sol
Uma derrota, cada madrugada um pouco roubado à eternidade, mas para nada,
E o nariz queimado pelo frio e pelos poppers, os lábios gretados do gelo
E da erva fumada com o teu irmão em santuários de decadência e outeiros
Na aurora da humanidade ou no fim dos tempos, tudo tão confuso
Na alma lamacenta das semanas sem o Sol do despertar, erva que injectava
Gradualmente a confiança na paranoia e o sono desiludido nos ossos derrotados,
Todo aquele Sol amarelo, como o fumo dos cigarros das manhãs já vencidas que
Se cola e se descola e voa para onde um dia tudo, uma nota perdida, esquecimento.

29.11.2015
01.12.2015

Turku


João Bosco da Silva

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