sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Fumo E Espelhos

Fujo porque todos sabem sempre tudo e conhecem-se todos
E a mim que me custa tanto equilibrar nas palavras que se me soltam
Dos lábios demasiado finos para levar um murro a sério,
Fujo antes da diarreia tomar conta da minha alma e não conseguir
Nada mais que fulminações de um castanheiro velho num dia
De tempestade, a fazer de conta que faço portas de inferno,
Fujo porque não consigo contar mais os estilhaços do espelho
Onde me verto, para lá do reconhecimento possível após
A transição dimensional em cantos escuros com bruxas receptivas
A insultos em forma de ejaculações, dizem que manchas da cinza,
Fujo porque sei de cor a coreografia dos olhos e a vibração
Dos dentes espantados por ruminâncias desesperadas de colo,
Fujo porque o Kerouac assim aconselhou, provavelmente quando
Já demasiado tarde e longe num delirium tremens loiro,
Fujo porque tenho sede e não se pode escrever com tanto ruído
E também este poema deve valer uma cerveja, fossem os gostos de lúpulo,
Fujo porque estou a mais e sei que estou a mais, porque somos tantos,
Todos desnecessários nos olhos dos muitos que têm o direito de estar,
Fujo porque me esqueci de rapar o pêlo e não gostam de macacos
Dentro de bibliotecas, mesmo que escrevam com a própria merda,
Fujo antes que fujam de mim, porque é pior quando escolhem esquecer,
Ou não esquecem, mas desviam os olhos do espaço que ocupámos,
Fujo porque não é que não goste deles, mas prefiro que estejam quando
Não estou com eles, e há tantos, legiões, fujo porque tenho medo de multidões
E os olhos mudos são avalanches de acusações que esmagam quem os ouve.

06.02.2015

Turku


João Bosco da Silva
Radiação Hawking

Deixai-me os tomates em paz, não ando aqui para cheirar, respiro e vai o
Que se arrasta, não faço disto carreira, só tiro, deixai-me estar a barba,
Bem piores são as unhas e tenho que me preocupar em mantê-las  sempre
Demasiado curtas, incomoda escrever com as unhas compridas,
As palavras rasgam carne suficiente, sem deixar marcas, às vezes,
Quem diz que o órgão maior é a pele, é porque vê muito pouco,
Está dito, que engula quem quiser, no fim ao menos pergunte-se
O que aconteceu ao futuro, engoli, com orgulho, é um gesto de reconhecimento
Perguntar, engoliste, tudo, até o luar pareceu desmaiar durante um momento,
Se há um buraco negro no centro da galáxia, não sei, mas tenho conhecido
Alguns, bem luminosos e de lábios vermelhos, vai tudo, por todo lado,
Os versos são o que sobrevive ao horizonte de eventos, o futuro limpa-se
Do batom, puxa as meias e as cuecas para cima e acende um cigarro,
Supostamente a luz não devia escapar, mas nem os tomates,
Há abismos que os olhos não podem esquecer e com isso
Trazem-se sempre dentro, no fundo, nunca se escapa verdadeiramente,
As unhas continuam a crescer e a incomodar, mesmo que os restos
De epitélio alheio sem perigos de rastreamento, deixai descongelar o inferno,
A vossa hora chegará e a salada estará pronta para quem estiver de dieta,
Ou quiser parecer bem, ou não houver mais nada que escape, aos buracos negros.

06.02.2015

Turku


João Bosco da Silva