segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A Relatividade Dos Passos

Ponho-me uma vez mais a caminho, saio da festa, levo um copo de plástico,
Foi um tio de França que mo deu, dentro vão uns litros, em nenhum gole
Consegui encontrar o sabor daquela cerveja bebida às escondidas
Em casa da avó, quando não estava ninguém em casa, em mil novecentos e noventa
E um, mais uma vez, ponho-me a caminho, em direção à Lua, os castanheiros
Gigantes  prateados, árvores mitológicas da infância e baldes de plástico
Na época das castanhas, o lameiro do avô já não está longe, que estranho,
Como as distâncias encurtam e a gente se torna cada vez mais distante,
Os grilos denuncia-me com o silêncio que a minha presença irradia,
Há uma palavra para isto, a saudade não chega, há algo parecido
Ao caminhar num lago gelado no norte, só, ao regressar a um lar cansado,
Onde ninguém, mas agora é Agosto, estão cá todos, cada vez menos,
Nota-se o peso da ausência nos olhos, é a tristeza que nos envelhece,
O azul foi-se, as estrelas esperam no lameiro, algumas no poço
Onde caí de cabeça quando me inclinei para beber, põe assim as mãos,
Em concha, ele que nunca viu uma concha na praia, põe assim
As mãos, não quero pensar nas mãos dele agora, as eternas, nodosas,
Esculpidas de uma cepa centenária, a erva mesmo nestas noites
Quentes é fresca, fecho os olhos e lembro-me de um deus grego,
Anteu, lembro-me do Miguel Torga, eu também já devo ter morrido,
Pelo menos uns quantos em mim, nunca nos encontraremos numas
Águas-furtadas em Paris, cada vez me lembras menos, desculpa,
Hoje é só porque luar e as rãs coaxam no poço, mas pronto, a vida
Este caminho onde vamos caindo e nunca é o mesmo quem se levanta,
Só quem levamos dentro, as mãos em concha, o sabor da cerveja às escondidas,
Chega-se, mas já não se está lá, há muito tempo, e o copo também ele vazio.

23.02.2015

Turku


João Bosco da Silva