domingo, 12 de abril de 2015

Confissão De Um Pecado

No Quénia,

Um grupo de miúdos aproximou-se da carrinha e um deles perguntou,
Tens canetas, na verdade tinha apenas uma caneta japonesa, preta,
Ultra leve, de gel, ponta fina, para mim um canivete suíço naquelas
Aventura, que nem sempre se engole tudo de memória,
Disse ao miúdo que não, em vez da caneta, dei-lhe um dólar,
Senti-me pecar como quando era garoto, um peso a crescer no peito,
Como mentir a deus, mentir àquele miúdo, que pedia uma caneta,
Como negar pão a quem tem fome, água a quem tem sede,
E que diferença lhe faria a ele aquela caneta, a mim, menos uns poemas,
Que não salvariam nada nem ninguém, só me dariam a ilusão de ter importância,
Mas esta mania de ser poeta, esta insegurança toda, que obriga
A registar a presença num pedaço de papel, uma data, o local, o nome,
Esta tendência primitiva de deixar as marcas das mãos nas paredes da caverna,
Mais tarde no equador, numa barraca feita de tábuas poeirentas
À beira da estrada, um vendedor queria trocar-me uma leoa de madeira
Por algo, pela caneta, dizia-me que seria o próximo presidente do país,
Que precisava de uma caneta como aquela, ou uma coisa do país de onde vim,
Acabei por lhe dar dez euros e ainda recebi como bónus colheres
Com zebras pintadas e um sorriso, o peso contudo, crescia,
A caneta à medida que a tinta ia diminuindo, tornava-se cada vez mais pesada,
No bolso da camisa, do lado esquerdo do peito, no aeroporto quando
Me revistaram, perguntaram-me o que levava no bolso, quase lhe disse,
Que eram um pecado, lá o arrastei, até que o peso se tornou quase
Impossível para o pulso, e na apresentação do livro, onde alguns poemas
Tinham saído daquela mesma caneta, depois de mais uma vez deixar
A palma da mão na parede da caverna, para você, que não faz ideia
Do tamanho dos meus medos e sonhos, entreguei a caneta,
A uma menina pequenina, que olhava para mim e pensava
Que eu era alguém importante, não sabia ela que eu minúsculo,
Gasto, mas por fim, tinha confessado o pecado, em silêncio,
Absolvido pelos olhos daquela criança que recebeu a caneta.

12.04.2015

Turku


João Bosco da Silva