segunda-feira, 29 de junho de 2015

Noutro Comboio

Cá estamos nós outra vez, no tal comboio, que tantas vezes se perdeu,
Fecharam várias estações, agora, como alguns fazem com as memórias
E os velhos amigos, nostalgia engolida pela ruína e pelo monte, inúteis,
A ingratidão pelo que já não se precisa, passou, engoliu, limpou-se,
A estação é outra, a terra ainda espera o teu nome na pedra
E devo dizer que tenho vergonha do meu egoísmo inocente, mas lá está,
Apesar de tudo, sou do país dos vampiros azeiteiros, dos doutores mamões,
Dos umbigos imensos, supermassivos, a cerveja baixa como sempre,
A cada gole sake à sombra de uma cerejeira, na língua algo como aquela vez
Em que ela me disse à beira da estrada na serra, já não aguento com a segunda,
E eu a sentir aqueles anéis apertados, cada vez mais longe, o preço ignora-se,
Esconde-se o recibo da morte, a vida é melhor pagá-la de uma vez,
Pode não se viver para a pagar toda e a eternidade é muito tempo para
Passar vergonha de caloteiro, mesmo que se viva às prestações,
Fica tudo ruínas e curva apertada, espalhado por fragas e oliveiras,
Será que me perdoas o cansaço, juro que tentei levar a vida na linha,
Mas aborrece-me passar o dia a olhar o mundo que passa pela janela,
Ela agora deve dizer ao segundo marido que hoje foi um dia difícil na loja
E que não pode com a cabeça, imagino os anéis e os dedos, o meu
Cheio de mim e dela a brilhar ao luar, a pingar numa dúvida de aquilo ainda nós,
Eu a preocupar-me com os estofos do carro, agora tudo tão longe neste comboio
E tu ainda anónimo para quem te conheceu, ainda verde no monte das minhas saudades.

Inkoo

23.06.2015


João Bosco da Silva