quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O Esquecimento Entre Dois Sonos

“Existence – well, what does it matter?
I´ve existed for the best use I can
The past is now part of my future
The presente is well out of hand.”

Ian Curtis

Quem levou os teus verdadeiros sonhos, foram os anos que somaste
E não os vês em mais nenhum lado a não ser no espelho e nos calendários inúteis,
Os outros foram-te injectando novos sonhos, não enquanto dormias,
Hoje a casa debruçada sobre a vinha íngreme no monte, longe, vazia,
As portas escancaradas, as janelas sem vidros, as cortinas bandeiras de um país
Conquistado pelo esquecimento ao vento, e todos os livros que se queriam
Ter lido, por ler, também esses foram sido substituídos por adiamentos
Intermináveis, por interrupções de tropeço, a casa uma ruína antes de ser construída
Fora da fábrica dos dias, agora comes os sonhos estranhos, vestes-te de ilusão
E invejam as conquistas pelas quais não lutaste nos dias vazios, os dias vieram
E trouxeram o que quiseram, todas as victórias postiças, aceitaste-as como
Uma medalha que não mereceste, enquanto os sonhos originais e pequenos
Amareleceram, caíram e foram levados pelo esquecimento, ou porque cresceste,
Hoje, longe, desejas tudo menos aquele olhar que te matava e se tornou inócuo,
Invisível, como tu, desejas o mundo nas mãos cheias que se diluem no excesso
De perdição, sobes alto, cada vez mais alto, mas lá em cima há cada vez menos,
E não está lá ninguém, ninguém que interesse e é só altura, como tempo somado,
E os olhos são cada vez mais insuficientes para lembrar os sonhos originais,
Ela também te esqueceu e a sombra do castanheiro centenário só te toca nas
Pálpebras nos dias mais pesados e saturados de todas as vozes que nunca convidaste
A entrar e te convencem que queres, que deves, que és e cada vez menos és tu.

28.10.2015

Turku


João Bosco da Silva
o pintor 

ele veio até ao alpendre 
com um tipo anormal sorridente 
e lá ficaram 
bêbados de vinho. 
o pintor tinha algo embrulhado no seu casaco, 
então tirou o casaco –  
era um capacete de polícia 
completo com distintivo. 
“dá-me 20 dólares por isto,” diz ele. 
“desaparece, meu,” disse eu, “para que quero eu um 
capacete de polícia?” 
“dez dólares,” disse ele. 
“mataste-o?” 
“5 dólares . . .” 
“que fizeste àqueles 6 mil que ganhaste 
na tua exposição o mês passado?” 
bebi-os. tudo no mesmo bar.” 
“e eu nunca bebo uma cerveja,” disse eu. 
“2 dólares . . .” 
“mataste-o?” 
“encurralámo-lo, socámo-lo um pouco . . .” 
“isso é treta. não quero o capacete.” 
“faltam-nos 18 centavos para a garrafa, meu . . .” 

dei ao pintor 35 centavos 
mantendo a corrente na porta, entregando-lhos 
com os dedos. ele vivia com a mãe, 
batia regularmente na namorada 
e na verdade não pintava assim tão 
bem. mas suponho que muitos dos personagens obnóxios 
trabalham o seu caminho até à 
imortalidade. 

eu próprio estou a trabalhar nisso. 

Charles Bukowski, in Mockingbird Wish Me Luck (Blacksparrowpress, 1972)

Tradução: João Bosco da Silva