quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Excerto Do Livro Dos Mortos

Mr Mojo Risin

O sake e os doors têm em comum um poema, a tatuagem de uma cobra,
Geadas cortadas com o calor do sangue inebriado e a loucura do fim da inocência,
Tudo trazido para o espaço de um quarto alugado na memória,
Com a luz pobre da freguesia silenciosa a entrar pelos buracos da persiana,
Gatos saltam dos muros para nos atravessarem com a sua presença,
Ela ajoelha-se nos lençóis sujos e adora a cobra brilhante no luar artificial,
Os ombros sibilam e contorcem-se em formas contagiosas,
As paredes ecoam fracassos vingados no risco da carne, tudo acaba
Em três suspiros, a gangrena atravessa desertos frios e o mar
Apenas uma janela de autocarro evocando o distante para justificar
A derrota próxima, não compreendem a raiva, não compreendo
Ovelhas assassinas, o pulso calmo na hora da morte, o coração
Nas paredes, cavalgando todo o desespero acumulado, uma vingança
Empurrada com goles, saliva e o gosto das entranhas possíveis,
Um poema, entre acidentes esperados e contaminações prováveis,
Um poema, entre o vibrar impossível dos cristais de gelo na roupa
Que se deixou a secar, esperando o sol da tarde, um poema,
Como todos os fins poemas, todos lápides talhadas de carne e desejo,
Defuntos que assombram na esperança de um corpo que os seja,
Até que se termina, se acorda, e já não se está no quarto alugado,
Em comum só a noite, com uma escuridão antiga, a geada algo
Que se esconde em camadas de sonhos árticos, esperando
Outros degelos, o poema, sempre o último barco de cristal na tempestade.

19.11.2015

Turku

João Bosco da Silva

Poema lido por Nil Kremer: https://soundcloud.com/caminhante-harm-nico/excerto-do-livro-dos-mortos-jo