segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Amigo E Cigarros

“É breve a vida; mal sabemos
fiar um fio, e conceber a seda,
já se gastou a areia na ampulheta;”
António Franco Alexandre

para o Rui Macedo,

Preciso desesperadamente de um cigarro, com um amigo, soprando confissões de fumo
Na noite e sacudindo a cinza do tempo que consumimos como verões,
Preciso de um cigarro e de um amigo, numa ponte romana, numa regresso,
Num de muitos, agora menos que as partidas, ou em direção ao luar, areal fora,
Com a maresia a testemunhar que ainda temos pulmões para a vida,
Preciso de sujar um cinzeiro imaculado, como um sorriso inesperado num dia cinzento,
Acendido por aquela mão que um dia me fez sangrar a carne tenra,
E me amparou enquanto a alma e tudo se atiravam borda fora para a geada,
Preciso de uma chama nos olhos familiares a dizer-me que foi verdade tudo o que foi,
Até as mentiras que nos trouxeram aqui e agora, onde estamos,
Apesar do filtro onde tudo se apaga, cada vez mais próximo, ainda somos nós,
Menos sonhos, mais pesadelos, menos ilusões, mais confusão,
No reflexo um estranho quase familiar, o luar mais perto, a água do rio mais alta
E no peito uma incerteza perigosa que aperta e pede pelo menos mais um cigarro com um amigo.

25.01.2016

Turku


João Bosco da Silva

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Postal Cansado Que Perdeu Todas As Cores Pelo Caminho

Penso que fiquei naquele dia em Julho, numa tasca vindo do Palácio do Freixo,
Senti que a cada ilustração, um pouco de mim lá ficava, nas manchas dos teus olhos,
Cada vez mais monocromático, debaixo das folhas de videira na esplanada
Ainda sentia o verde, das folhas, dos nossos olhos, do futuro que tão longe
E ali perto as mil cores de Dali e o rio, tão imprevisíveis como o horizonte
Com a distância subtraída, na manhã seguinte ainda vi a cor do pão,
Comprado na mercearia do lado, e o cemitério de Paranhos ainda tinha flores
Coloridas e chamas vermelhas apesar da tristeza que se levava para casa,
Devo ter ficado todo no cheiro do café, à noite já tive que te perseguir rua acima,
Não sei bem onde querias ir por aquela rua escura daquela cidade que não conhecias,
Daí marcares cada passo com lágrimas que te enxuguei nos lençóis,
Fiquei por lá de certeza, mas ainda há madrugadas em que recebo um amanhecer azul,
Como um postal cansado que perdeu todas as cores pelo caminho até mim.

22.01.2016

Turku


João Bosco da Silva

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Shibuya

Foi numa das ruas que desagua na passadeira de Shibuya, estava encostado a uma montra
Enquanto acendias os olhos com mil brilhos artificiais em direção a mais uma loja,
Aquela gente passava com os seus pecados, os seus medos, os seus sonhos, as suas crenças,
Cada um com o seu próprio cansaço no olhar, olhando tudo menos os olhos que passavam,
Senti-me na berma de um deslizamento de carne que passa e leva a vida pelo caminho,
Procurei o refúgio de uma estrela, mas as luzes artificiais tinham apagado o céu,
Restou-me olhar para os próprios pés, como quem procura uma raiz onde se agarrar,
Aí tu regressaste com um saco novo, eu larguei a raiz, deixei-me ir e lá fomos os dois
Desaguar na estação de metro, onde quem não dormia, cabeceava escondido
Atrás de uma solidão imensa que cabe na palma de uma mão iludida e vazia.

20.01.2016

Turku


João Bosco da Silva

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Foste a suavidade
do granito na minha
pele bêbada
de luar nos
teus olhos.

20.01.2016

Turku


João Bosco da Silva
Não sei o que seria pior:
esquecer o teu nome
ou o teu cheiro
numa manhã
de Primavera.

Não sei o que seria pior:
esquecer o teu nome
ou o murmúrio
do meu nos teus
lábios de sonho.

20.01.2016

Turku


João Bosco da Silva
Depois, gostava de
Me encontrar em ti
Com os dedos e
Sentir neles o
Calor do teu brilho.

20.01.2016

Turku


João Bosco da SIva
Não sei se escurecia
Ou era o desejo em nós
Que aos poucos cedia
Ao cansaço inevitável
Da fome violenta.

20.01.2016

Turku


João Bosco da Silva

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Foste o primeiro pedaço de metal
Que senti nos lábios
Contra os lábios e ao luar.
Hoje és tu quem parece
Uma lua prestes a ser nova.

19.01.2016

Turku

João Bosco da Silva

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Lembro-me do sabor da tua
boca depois de me engolires.
Não demoraste em
comer uma banana,
tal era a tua fome.

18.01.2015

Turku


João Bosco da Silva

domingo, 17 de janeiro de 2016

sábado, 16 de janeiro de 2016

37 graus

Setembro depois do Dia do Trabalhador,
37 graus em Burbank, Calif.
estou a olhar para uma mosca
uma pequena mosca castanha numa cortina amarela;
os Mexicanos  seriam espertos o suficiente e dormiriam debaixo de árvores
num dia como este
mas os Americanos são dominados pela ambição
eles sobreviverão como poderosos e infelizes
neuróticos,
agora mesmo o dinheiro dos meus impostos está a largar bombas
em pessoas famintas na Ásia
enquanto eu me debato com a pequena mosca que voou da
cortina até perto do meu ombro;
tento acertar-lhe mas falho a mosca,
neurótico Americano eu,
os rapazes que pilotam aqueles aviões são bons rapazes, gentis,
eles matam apaticamente
com honra e graça,
sem ódio.
eu conheço um, ele é agora um prof que ensina Literatura
Americana na universidade de Oregon ,
já me embebedei com ele e a sua mulher, várias vezes,
então ele ensina-me,
o que é bom.
37 graus em Burbank
e enquanto me sento aqui
inúmeras coisas estão a acontecer,
a maioria coisas tristes
como mecânicos asneirentos com ressacas enfiando-se debaixo de carros
e dentistas bêbados arrancando dentes e praguejando
e cirurgiões carecas fazendo uma grande trapalhada,
e o editor da revista Time saindo com  o carro de marcha atrás
da entrada da garagem
depois de uma discussão com a sua mulher;
estão 37 graus em Burbank
e está um jacto lá no alto,
não acho que me irá bombardear,
aqueles Asiáticos não têm suficiente dinheiro de impostos,
os únicos Asiáticos espertos são aqueles que alegam ser
Supremamente Abençoados, falam bom Inglês,
deixam crescer espessas barbas cinzentas mais um sorriso celestial encimado por
olhos brilhantes e
cobram $4 por entrada no Santuário para
ensinar serenidade e não-ambição
e fodem metade das raparigas intelectuais da cidade.
estão 37 graus em Burbank
e aqueles que vão sobreviver sobreviverão
e aqueles que vão morrer morrerão,
e a maioria secará e parecerão sapos comendo hambúrgueres
ao meio-dia,
eu não sei que fazer –
enviem o dinheiro e mostrem o caminho,
sejam bons para mim,
eu gosto assim
sem esforço, fácil e agradável , lembrem-se,
eu nunca bombardeei
ninguém, eu
nem consigo matar esta

mosca.

Charles Bukowski, Mockingbird Wish Me Luck (Blacksparrowpress, 1972)

Translation: João Bosco da Silva
Nas paredes do meu quarto vazio
o teu nome persiste,
após anos sem olhos ou palavras
sou eu quem te faz existir
neste universo moribundo.

16.01.2016

Turku


João Bosco da Silva
O Sabor Do Mijo

Enquanto retraia o prepúcio numa mija no bar, lembrei-me da primeira vez
Em que mijei na minha boca, com um jacto forte, quente, jovem, limpo,
De uma gaita imberbe, nas traseiras da escola da aldeia na quarta-classe,
Que rebeldia, e a gaita tesa pela hóstia de Domingo desconsagrada no sangue,
Era pecado de certeza, como pecado era abrir as beiças das coleguinhas
E beijar-lhes o grelo mal lavado e grelado nas casas de banho e o esfreganço
Com ou sem roupa, dependendo da estação e dos irmãos delas,
Um gajo vinha-se em seco, uma espuma tímida quanto muito, seminal,
Provavelmente inócua, mas cheia de vício original, nada se sentiu romper,
Só aquela dor depois do gosto e ela e dizer que se não continuasse
Não voltava a pinar com ela no mini abandonado na eira do avô,
Era gosto, orgasmo primordial, depois eram as punhetas debaixo da carteira
Que a professora tolerava com muitos descruzares de pernas, diziam que gostava
Mais de foda que acordar cedo para dar aulas a garotos à geada na aldeia,
Agora o jacto em frente, expulsando o excesso de cerveja enquanto se procura
Em cada cerveja o sabor da primeira, comprada a meias com os primos
Na tasca da aldeia e bebida no curral das vacas enquanto as bostas
Caíam como sonhos esquecidos à força no chão sem palha que a água e o mijo lavaram.

Turku – Brewdog

12.01.2016


João Bosco da Silva
Se tivesse esperado pelo amor
nunca teria tomado azitromicina
e agora seria um esqueleto
sem pele à geada no muro
daquela casa abandonada.

16.01.2016

Turku


João Bosco da Silva
Um Tropeço Nos Dias Quentes

Tantas vezes me sento e espero que seja aquele banco à geada,
Com o cabelo recém cortado e as orelhas geladas, com uma mensagem
Da pessoa errada no telemóvel que mal me cabia no bolso,
Lá na terrinha, antes do restauro dos muros e do esquecimento das fronteiras
De outros, espero que seja a cadeira com a esponja a sair de um buraco
No barbeiro com hálito a cebola, com o calendário de há dois anos
A mostrar umas mamas que gravava para a punheta na cama que encolhia
E me esmagava com tantas mantas rodeadas por paredes manchadas com
Fungos moribundos com o frio, espero que na manhã seguinte ninguém me acorde
Para me encher com o cheiro a porco agonizando na lâmina do coveiro da terra,
Contudo, seguro no futuro presunto convulsivo e arranco as vísceras
Com mãos finas que os anos tornaram mais certeiras, sem sentir os dedos
Gelados pela manhã geada, com as cuecas no estendal, mais tesas que
A consequência daquela silhueta à porta, através do vestido azul em Agosto,
Enquanto os dióspiros acumulavam doçura encostados aos muros de granito,
Sento-me, abro mais uma cerveja, engulo-a e espero que valha a pena o passado
Que trouxer, o cabelo cai, queimado pelo sol, contudo escurece, também
O coração cairá, queimado pelo frio, pelos dias demasiado longos no Inverno,
Quando me rasgo, metro a metro, e nos intestinos ou circunvoluções,
Procuro uma recordação que me aqueça, que me faça não precisar das mantas
Na manhã alargada pela falta de vontade de continuar a envelhecer,
Mais um cabelo branco, a barba que parece um camaleão preguiçoso na cara pálida,
Tantas vezes me sento e procuro aquele frio das pedras de granito dos muros da aldeia,
Onde me sentava a ler Caeiro e tudo parecia tão simples e certo e cada derrota
Uma estação que tinha que se aguentar, há anos que não abro o livro,
Sempre na mesa de cabeceira, como um crucifixo à cabeceira da cama,
As geadas tornaram-se numa memória quente, enquanto o copo aquece,
Longe, perdido, onde só o cabelo e as unhas crescem, sem caixa e pena
E flores secas, velas por favor, missas, até o nome se tornar um tropeço nos dias quentes.

Turku

16.01.2015


João Bosco da Silva

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Foi a fome que te fez
esquecer o isqueiro
em minha casa.
Todos souberam que
incendiamos a madrugada.

11/01/2015

Turku


João Bosco da Silva

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Um Cheiro Entranhado Nos Dedos

“a poesia repete
o instante da sua criação, muito para além dos poemas
e do poeta”
Nuno Júdice

Não suporto este cheiro nos dedos, já lavei as mãos sete vezes, se calhar,
Isto agora só lá vai com um poema, mas os olhos hoje estão fartos da textura
Do papel desperdiçado em tanto génio, tanta verdade a ser dita,
É verdade o que se ouve nos cafés sobre a verdade ser como a poesia,
Ninguém gosta de a ouvir, terei que limpar os dedos nuns versos,
Como naquela visita à capital, aos 16 anos para o torneio de basquetebol,
A viagem toda a ler o Gatsby, desde Trás-os-Montes, escondido das miúdas
Que me queriam tirar fotos com as máquinas descartáveis, atrás das cortinas
E eu cobria-as de punhetas nos beliches do quartel da tropa, enquanto uns ressonavam
E outros não se calavam porque a mãe não estava e na verdade tinham medo
E queriam mostrar-se homens, tenho a certeza que uma futura poeta
Me piscou o olho no refeitório da faculdade, pisei o Pessoa sem saber quem era,
Distraído como estava com um par de lésbicas, os dedos gordurosos
Do hambúrguer, das primeiras, e um livro de poesia a ajudar na multinacional antes
De ir ver quem trocou a fome pelo kartódromo, na verdade não escrevi lá nada,
Andei ocupado em aprender a jogar xadrez e a fotografar o túmulo do Camões,
E as salsichas cozidas com o chocolate quente nas malgas de lata no quartel,
Não me pareceu uma refeição de poeta, faltava bagaço na coisa,
Já têm outro cheiro, à água do rio, entre o fato de banho à sombra
Dos salgueiros, já cheira à pele salgada a desabrochar em broche,
Já cheira aos anos perdidos e somados ao fracasso que agora simplesmente
Se aceita, como um cheiro entranhado nos dedos, que passa, mas persiste.

Turku

João Bosco da Silva


06.01.2016

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A Menina No Santuário Meiji

Enquanto a chuva cai entre casamentos no Santuário Meiji, os votos já se esquecem
Na caixa de madeira protegida pela irmã sagrada, um rapaz não consegue tirar os olhos
Das pernas de uma ganguro, os noivos são felicitados e assediados por objectivas
Anónimas e estrangeiras, à volta do canforeiro forma-se um anel mais claro
Onde a água não chega, mesmo que esquecidas, as promessas, estão secas,
Limpa de todas as promessas secas no esquecimento, uma menina, dança à chuva,
Salta sobre pequenos charcos que se formam, não quer saber da paz do mundo,
Acha engraçado atirar uma moeda pequena ao ofertório e que toquem no sino,
Mas prefere sentir a chuva cair e dançar para os estrangeiros que se protegem da chuva,
Ainda tem em si a salvação do céu cinzento no horizonte futuro, não se interessa
Com a chuva, porque dentro dela ainda brilha uma estrela que a protege,
Ela a irmã mais próxima do canforeiro que protege os votos perdidos dos adultos
Que em vez de aproveitarem a dádiva dos céus, se escondem na sombra
A invejar a inocência e a tentar aprisiona-la em três versos num papel seco.

04.01.2015

Turku


João Bosco da Silva

sábado, 2 de janeiro de 2016

Cemitério De Yanaka

Entre milhares de silêncios desconhecidos, debaixo de uma chuva miúda
Que humedece os ossos até à alma, rodeado de nomes gravados em pedras,
Cobertas pelo verde do esquecimento e pela mudez improvável do coração
De um monstro, sinto-me em casa, como naquelas tardes de tempestade
No fim do verão, em cima de fragas sem nome, vendo no horizonte
O acender súbito dos relâmpagos anónimos, as lanternas de pedra,
Tão apagadas quanto os meus olhos naqueles dias cinzentos, em casa,
Mergulhado em silêncios asfixiantes, como portões de pedra que encerram
A eternidade de quem perdeu a sua amostra de infinito,
No cemitério de Yanaka, longe de todos os que antes de mim,
Encontro-me com o destino comum e estrangeiro, a casa de todos, o silêncio
De pedra, entre árvores que esperam o Sol que a chuva lhes promete.

02.01.2016

Turku


João Bosco da Silva