terça-feira, 15 de março de 2016

Dissecação Do Perfume


Há uma mistura de cheiros que me faz lembrar de ti
Naquelas noites frescas de Junho na tua varanda
Com vista para o castelo, laca Elnett, o sorriso
De uma empregada de mesa num café vazio de manhã,
O vento que passou por pinheiros ainda quentes,
Cigarros de mentol, pastilhas de morango mastigadas
Por uma miúda de pele dourada com gotículas de suor,
Lábios lubrificados e púbis depilada num par de cuecas
Acabadas de vestir, o mesmo vento que passou pelos pinheiros
A tornar a tua saia numa bandeira de um país a conquistar,
Unhas lavadas e o cheiro a cobre por onde passam,
Uma língua manchada com vinho do Porto e
Lábios humedecidos à beira de um rio num crepúsculo de verão,
O fumo de um charro inalado dos pulmões de alguém
Numas águas-furtadas, um elástico de cabelo pouco usado
À volta de um pulso pálido e fino, o movimento de um lagarto
À sombra e a sombra de um escorpião sob a luz
De um candeeiro de rua, a porta de um elevador
Que se abre num sábado à noite e ninguém,
Segredos a roçar no lóbulo da orelha em inglês,
O que poderia ser o cheiro do pó das asas de uma borboleta,
A transpiração silenciosa das vertigens ou de alguém
Que espera sentado em granito à entrada da Estação de São Bento,
Tudo isto com um pouco de morangos silvestres comidos
Pela primeira vez antes de se saber ler
E um comprimido de paroxetina empurrado com uma páginas
De Kierkegaard antes de uma viagem de comboio
Com vinte euros no bolso em direcção à tua varanda
Onde esperavas o colo do meu hipocampo.



Turku


14.03.2016



João Bosco da Silva