domingo, 8 de maio de 2016

Como Uma Bic Entre Os Dedos

Nesta madrugada, enquanto estrio esta Bic preta,
Quantas adormecerão com o esperma de outro no estômago,
Será que alguma se lembrou de mim, um segundo que fosse,
Quando o primeiro filho nasceu delas, lembro-me bem do poema
Que começou isto tudo e nem fui eu quem o escreveu,
Foi um acto de terrorismo, também eu o tenho sido
Mesmo que a erva em Agosto por mim adentro,
Agora sem pinga de fanatismo, além da fome pelas madrugadas
Pouco mais me resta, tenho a tinta quase toda ainda
E já se digerem as palavras num hálito adocicado de sangue ácido
Pela manhã num acordar longe dos meus olhos,
Serei ainda um nome, um raio de sol no cabelo,
Um grão de areia que se trouxe da praia nos lábios,
Uma companhia nas insónias, um gato morto cuja cor
Se esqueceu, a tinta arrasta-se como se a implorar misericórdia
Ao esquecimento, também a mim me engoliram,
Mas de certeza que hoje não passo de um sabor familiar
Como esta Bic entre os dedos enquanto amanhece.

08.05.2016

Turku


João Bosco da Silva
Highlanders - Haikus

Anoitece na cidade
de pedra, o fumo
dos séculos.

Um dia com o peso
de um ano –
dia de aniversário.

A espada japonesa
no museu de Edinburgo –
ossos esquecidos longe.

A cada cerveja
o Mr. Hyde vai-se
revelando.

Os ibéricos olham-se
como estranhos –
Napoleão está morto.

Os britânicos sozinhos
venceram no Buçaco –
diz no museu.

Hoje regresso
sempre à beira
do rio.

A humidade no cabelo
a enrolar os
nossos corpos.

Em frente ao
Banco da Escócia,
dorme um homem no chão.

Ouvir Jim Morrison
na Morrison´s
Street.

No Loch Lomond
o líquen fala
a minha língua.

O vento sempre
um velho conhecido
onde quer que vá.

Quanto verde derramado
entre as duas
pontes de pedra.[1]

Escócia

2-4/05/2016

João Bosco da Silva


[1] Stirling Bridge