segunda-feira, 12 de junho de 2017

Pesadelo na Rua Do Almada

Há um pesadelo que revisito com frequência, regresso à solidão de um quarto
De uma cidade que aprendi a amar pela ausência, sempre mais fácil amar-se assim,
Quando ninguém nos sopra o perfume azedo na nuca, regresso à solidão
E não sei se tenho a renda em atraso, para o saber tenho de descer ao café cheio
À hora do almoço e perguntar entre o cheiro a fritos, mas se mantiver a porta fechada
E não sacudir muito o pó, talvez ninguém dê por mim, uma leve dança de cortinas
Quando me levanto, ou o miar do gato abandonado que se deixou entrar na solidão,
Pouco mais incomodo a passagem dos dias além do caixilho de madeira cansada,
Regresso e a cidade sempre daquela cor entre o azul metálico coberto por um cinzento
Cansado de ferrugem e séculos de saudades fossilizadas em salitre, é um pesadelo
Em que ela está sempre presente no espaço que não ocupa, na mesa-de-cabeceira,
Num poema do livro de Alberto Caeiro, nos meus tomates, naquele esperma
Que era para ser o nosso pecado profundo, mas acaba embrulhado no fundo do caixote do lixo
Como e com uns poemas ridículos, na esperança de a ver subir a rua, só,
E sentir uma pedra no vidro da janela, onde nunca estou quando acordo.

10.06.2017

Turku


João Bosco da Silva

Sem comentários:

Enviar um comentário