segunda-feira, 24 de julho de 2017

A Chester Bennington

No ar de Agosto havia aquela cheiro familiar à anormalidade dos incêndios,
Fazia parte do verão como os escorpiões na escadas, a música ruim nas ruas,
Que se entranhava na alma esponjosa mais facilmente que poemas imortais,
Havia a interior promessa de beijos roubados e o cheiro a perfume na palidez
Do sotaque francês, havia a longa caminhada seguida por incenso
Empunhando uma cruz metálica mais pesada do que os pecados cometidos
Entre as cuecas e a vontade das garotas que iam dormir lá em casa em noites de luar,
Havia todo o tempo do mundo, para tudo, as mãos ainda com espaço suficiente
Para agarrar quase o mundo todo e o coração cheio das certezas que nos ensinaram,
No entanto, deixou-se cair a cruz, os lábios que se humedeciam na língua
Não aqueles que a fome pedia, as certezas trocaram-se pela verdade do vazio,
O mundo tornou-se num castelo de cartas num vendaval, procuraram-se
As perdições alheias em páginas que dificilmente se encontravam em terra de brutos,
No espelho tomou forma uma presença que sendo tudo, não era nada,
A morte derrubou as torres do grande império e os reis começaram a injectar medo
Nos peões do tabuleiro, surgiu o poema, o vestido, o muro de pedra, caíram amizades,
Cresceram as dioptrias, os dióspiros ainda longe de maduros, tudo se tentou
Nas noites de insónia, sem mover um músculo, enquanto os grilos na rua
Semeavam o gosto futuro por filmes a preto e branco japoneses,
Nisto uma presença gritante, sempre, naquele quarto escuro e fresco,
Enquanto um mundo ardia e outro se desmoronava, alguém gritava o que as noites
Cobriam de escuridão, alguém que afogando-se em si mesmo, era uma mão,
Alguém que acabou por deixar de tentar acabar o castelo de cartas num vendaval
E se pendurou, alma e tudo, levando com ele uma parte de todos os desconhecidos que tocou.

24.07.2017

Turku


João Bosco da Silva

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