sábado, 23 de setembro de 2017



Esquecimento



Não te esqueci, mas passaste, agradeco-te os poemas e a ausência com que preenchi o tédio,

Já nem tenho sonhado contigo, as folhas do outono ocupam-me o pensamento,

Nunca te tive num verão sequer, só te perdi todas as vezes, antes das partidas,

Como se pode continuar a regar um vaso vazio, é fácil, mas ridículo, como a poesia,

É esticar o nada para fingir que tudo, como dizer-te que sonhei contigo,

Como me dizeres que sonhaste comigo, para que não te morra, quando já morremos

Um no outro, essa morte precoce, que é quase um esquecimento, não fosse termos sempre

O passado à flor da pele, mas também o que nos toca se ignora,

Deixa de se sentir, aprende-se a amar mas não se aprende a esquecer, é necessário,

Como expirar para permitir um novo ar, para meter uns segundos mais no cadaver,

Antes que a porta do elevador se feche e nos leve para novas dores e outros sorrisos.



Turku



23.09.2017



João Bosco da Silva

domingo, 17 de setembro de 2017



Poema a Han-Shan



”Apanho fetos para ocupar os anos que me restam”

E mais de um milénio depois o mundo que deixou

Lá em baixo, longe da Montanha Fria, lê os seus poemas,

E por momentos suspende-se o ruído que nos consome,

E sente-se dentro o vento que anima os juncos,

Como um salto de verso, a humidade da erva,

Novamente nas costas inocentes sobre o mundo.



17.09.2017



Turku



João Bosco da Silva

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Haikus

Não quer viver
em versos -
comigo agora.

Pequeno Sol
que acende
a alma do poeta.

Pequeno Sol
que ilumina
os abismos do poeta.

Qualquer estrela
te inveja
pequeno Sol andarilho.

Arrancava as raízes
por mais uma
ancoragem no teu sorriso.

Verão frio –
mel quente
escorre dos lábios.

Céu azul em Agosto,
respira-se claro –
Portugal?

Nem sempre
há fumo
no horizonte.

Uma árvore
num descampado –
a solidão sobrevive.

Esta pequena
pena perdida –
onde o pássaro?

O que os olhos vêem –
tudo o que
não será.

Agarra o que te move
enquanto o mundo
chega ao fim.

Não cresças demasiado
antes
da tempestade.

Raízes sem espaço –
queda anunciada
na próxima tempestade.

Acabou por cair
o pinheiro
do cimo da fraga.

Aquele pinheiro
em cima da fraga
acabou por cair.

Sabes-me
ao Sol de Agosto
no restolho.

Mastigar um figo
como o que restou
da infância.

Castelos de areia,
raízes em fragas –
tudo seca.

Ondas e gente –
só o mar
permanece.

Não rima
nem nada –
é a vida.

Apodrece na areia
a alga –
qualquer distância consome.

Não escolhas nada –
deixa a chuva
cair.

Chegam ao paraíso
notícias tristes
da casa de Inverno.

Um rochedo
coberto de nevoeiro
no peito.

Peões de pedras
e paus –
injectam medo encomendado.

Levar a infância
seca
ao rio do Verão.

Onde se deixou
o Sol
que a pele queimou?

Fim de verão –
o rio que passa
permanece.

Cantam os grilos
longe dos filmes
japoneses.

À beira do rio
as flores
dizem adeus.

Secaram as amoras
ao Sol –
os amores e as andorinhas.

Anoitece –
na pele quente
o Sol ainda.

Manhã fresca
de Junho –
papel de banda-desenhada.

Debaixo da figueira
os figos apodrecem –
o Verão passa.

Caule ao vento –
o movimento
a verdade.

Tudo nos sobrevive
até uma pequena
lima de madeira.

Como segundos que passam
as moscas
no fim do Verão.

À sombra da mimosa
a mula
espera o Outono.

Debaixo da oliveira
eu
e uma sombra.

Toca o sino –
levanto-me
da fraga quente.

Amarelecem as agulhas
do pinheiro –
cai a pele.

O pinheiro da infância
resistiu ao incêndio –
escrevo com carvão.


Torre de Dona Chama – Peniche – Berlengas – Cidões, Agosto de 2017