domingo, 19 de novembro de 2017

Ensaio Sobre A Entropia 

O que fazer quando tudo ardeu e da infância restam apenas a felicidade em carvão 
E os dias lentos que cristalizaram com o esquecimento das lágrimas à flor da cal, 
O que fazer quando até o musgo secou e apenas nos joelhos a recordação 
De uma curva mal feita num caminho rural dum Verão de água-oxigenada 
E sonhos com perfume francês barato na casa da velha vizinha, 
O que fazer quando todas as cartas de amor se varreram para debaixo dum tapete 
Que há muito apodreceu com a amizade que se vestiu de distância e outras proximidades, 
O que fazer com todos os copos vazios e os esquecimentos que patrocinaram 
Para aquecer mais um Inverno indesejado até ao seu fim sem lareira ponderável, 
Nenhum verso longo será capaz de desenterrar os sonhos que os anos apagaram 
Ou tornaram em vergonhas que rodeiam os olhos e sementes de barba branca, 
O que fazer quando a tinta acaba e se chega a casa cheio de tudo menos daquilo 
Que um dia se achou eu, deixa-te ficar mais um pouco, as chamas ainda mal lamberam 
A tua pele, ainda estão longe os ossos, alguém os lembrará com lágrimas 
Ou arrependimento, salta antes que a ponte se desmorone, toda a queda é fácil. 

12.11.2017 

Turku 

João Bosco da Silva 

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Haikus Coreanos 

Dormem os cavalos 
nas estepes -  
esqueceu-se o medo.1 

Escorre por entre os dedos 
a areia dourada - 
goza a queda. 

Depois do Verão 
regressam 
a palidez e a escuridão. 

Tem que chegar o Outono 
para a folha 
poder viajar. 

A fruta que apodreceu 
à sombra  
cumpriu com a doçura. 

Nar´yan-Mar 
tão desconhecida 
quanto vermelho próximo. 

Escrevo da Sibéria -  
distância e frio 
em vez de palavras. 

Cresce-se - 
prémios tornam-se 
como aniversários. 

Conseguir ser só 
num país de solidão -  
o absoluto. 

Da violência 
nascem impérios -  
só eles terminam. 

Da violência 
nascem impérios - 
só ela persiste. 

A neblina cobre 
as estepes -  
acende-se o horizonte.2 

Sabes-me ao nevoeiro 
de Novembro 
no campo geado. 

O Mestre disse -  
não é a distância 
mas a ausência. 

Olha a Lua -  
os meus olhos 
os teus. 

Podias construir 
um império no coração 
mas não. 

Um último salto 
da ponte -  
todas as vezes. 

Um vizinho 
louco -  
quem não? 

Ter a pele salpicada 
com a ausência 
dos teus lábios. 

Dos antigos 
nem uma memória 
dos seus olhos. 

À estrada do hotel 
despedidas 
e esquecimento imediato. 

Quantos olhos 
as mesmas 
Histórias. 

Montanhas de sonhos 
e tantos outros 
abismos. 

Esse ponto de encontro 
da humanidade -  
a miséria. 

Nada está completamente 
perdido 
se houver dor. 

Na dor 
a certeza 
da possibilidade. 

E quando as cinzas 
arrefecem 
e se continua vivo? 

Tudo oxida 
mesmo 
em segredo. 

Facilmente as mãos 
se esquecem 
de ser vazias. 

Leva-se sempre 
a montanha 
para as distâncias. 

Habitua-te 
ao amargo -  
o Verão é breve. 

Estranha o ar pesado 
aquele que veio 
da montanha. 

Sobre o musgo 
sempre 
em casa. 

Descer do monte 
reparar 
que anoiteceu. 

Encher vazios 
antes 
do vazio. 

Ar-Seul 

Outubro-Novembro 2017 

João Bosco da Silva