sexta-feira, 13 de janeiro de 2017


Haikus de Monte

O pai lê o mestre –
sentados ao Sol
ambos fascinados.

Saltita ao Sol
o pardal –
o gato dorme.

A roupa estendida
saúda o Sol
em despedida.

Ladram os cães
ao longe –
batem talheres na louça.

O livro do mestre –
na capa brilham
gotas de orvalho.

A figueira sem folhas
um pinheiro japonês
sem agulhas.

As folhas dos nabos
ainda cheiram
à geada da noite.

Fendeu-se o muro
onde a água
já não passa.

A última folha do marmeleiro
recebe agora o Sol
de Inverno.

No tanque
as placas de gelo
brilham ao Sol.

As fragas cá me espera,
sempre,
para sempre.

Deixo o mestre ao Sol –
parto para o monte
da infância.

No banco de pedra gigante
Só eu me sento –
Além do Sol nada.

À esquerda a Lua,
À direita o Sol,
Eu e os Montes no meio.

As pinhas silenciosas
e os pássaros
não sei que me dizem.

No verão os incêndios,
de inverno as queimadas –
há sempre fumo no horizonte.

Entre uma Montanha
e outra
um mar de neblina.

Da janela do quarto
vejo o pôr-do-sol –
só a infância não amanhece.

Tocam os sinos,
pragueja a vizinha –
ainda há vida na vila.

No saco de plástico
respiram ainda
as folhas de louro.

Hora de almoço –
os miúdos gritam
e no ar mil aromas.

Os bugalhos esquecidos
nos ramos
juntos à infância.

Não invejo os que ficam
nem os que vão –
a dor é toda nossa.

Será que o musco
ainda reconhece
o peso dos meus pés?

Bebo o café ao Sol –
não sei
o que me aquece.

Subia e descia a montanha
com Kawabata –
atravesso-a com Bashô.[1]

Sempre teremos
Paris na ilusão
e o Porto na memória.

Despeço-me
antes do Sol
nascer novamente.

Janeiro 2017

Torre de Dona Chama - Porto



[1] Escrito atravessando o túnel do Marão.