domingo, 26 de março de 2017

Os Desocupados

Empurrando a sua moral ideal, rua acima e rua abaixo, num carrinho de supermercado
Roubado e ferrugento, ou lançando a sua fúria divina das janelas, ou das cadeiras de lona,
Ou das esplanadas com a cervejinha quente, o chazinho frio, lá andam os desocupados,
Sempre prontos a impingir-te uma lição que não pediste, para levares a vida aos eixos
Onde não encaixas, o caminho certo, o seu caminho, têm tempo para as pensar,
Estes desocupados, mestres de tudo, filósofos da roupa a secar e das cuecas da vizinha,
Génios da valorização do tédio e do consumo do tempo em metabolismo de relantim,
Não fossem eles tão devotos à hóstia ou às merendas e seriam mestres Zen,
Devias ser mais como eles, como o que eles querem que aches que eles são,
Devias limar mais, polir mais, deixar correr mais, cortar mais, calar mais, engolir mais,
Não gozar tanto que parece mal aos que desocupados, se ocupam da vida dos ocupados,
Sabes bem que ninguém viveria a tua vida melhor que um desocupado,
Ninguém sabe mais da tua vida do que um desocupado, acrescentando onde ignoram,
Ignorando onde lhes dá a sombra, ouve-os, cheios da sua experiencia de pastelaria
E versos coados à peneira do caruncho das gavetas, poemas vinagre com perfume do sovaco
Esforçado pela falta de hábito de viver, são todos hábeis na ficção, quase todos poetas,
Usando a rima para ocupar o vazio dos dias, sentam-se ao Sol mas só parecem ver
A sombra dos que passam, esses desocupados, perfeitos vivedores, imaculados santos,
Génios do espelho e do olhar invertido, gourmets da sua experiência limitada
E exploradores incansáveis do universo do seu bairro, inimigos das férias alheias,
Eternos magnetos de uma pega de bois ou de vacas, se lhe emprestasses a vida,
Sim, serias alguém em condições, trabalhavas a sério, levavas uma vida como deve ser,
Agora andar por aí, um perdido, a fazer que fazes, a ir aqui e ali, em vez de, em vez de.

26.03.2017

Turku


João Bosco da Silva