sexta-feira, 28 de abril de 2017

Casa de Campo

para o Carlos Fernandes,

Amigo, resta-nos a memória para resgatar a infância,
Aqueles pinheiros cortados ainda são uma cabana completa
Quando fechamos os olhos num dia quente de primavera,
Contudo relembramos sempre a sombra mesquinha
Que nos tornou a imaginação nesta imitação caquética
Apoiada nos anos do cabelo farto e consistente,
Resta-nos sujar as unhas demasiado curtas para encontrar
Um pouco daquela alma que realmente foi nossa
Antes de nos vendermos por imitações de sonhos,
Só porque mais à mão de a abrir e deixar tudo por uma amostra
De infância, um primeiro beijo, todas as primeiras fodas
Que se adiaram numa desilusão apressada de demolição cansada
Em quem se ia tropeçando nas pernas abertas,
Resta-nos agora a casa de campo, a miniatura que as sete moedas
Furadas nos permitem, por tão pouco vendemos a inocência,
Mas ainda conseguimos vê-la no assobiar do vento nas linhas de alta tensão
Por cima de mais um pouco de infância que se cumpre.

Turku

28.04.2017


João Bosco da Silva
Poeta Finlandesa

à Pauliina Haasjoki,

Depois de jantar tínhamos uma leitura de poesia, os pratos encheram-se duas vezes,
Carne, nem vê-la, depois é tão fácil um perder-se pelas ruas de Lisboa,
Tropeça-se numa cervejaria e o sabor da cerveja mais verdadeiro que qualquer poema,
Especialmente quando se respiram mortos iluminados por outras drogas,
A poeta finlandesa inclinada sobre o copo de cerveja como sobre uma flor,
Saltando de tema como um electrão excitado, fomos perdendo a linha do tempo,
E não se esperava que era de esperar que a leitura fosse encurtada para metade,
Quando chegamos já estavam no vinho e no bolo, o amigo poeta não nos censurou,
Mas via-se triste, a poeta finlandesa foi apresentada a grandes e a menores,
Medindo influências e outro contrabando, de fita métrica no bolso a tirar medida
A olho, ela mostrou-se imune ao brilho do vidro e do diamante,
O vestido dela esvoaçou quando lhe entregaram um copo de vinho verde,
Pensei que por virmos tarde já não tínhamos direito, os tugas cedem sempre a uma loira,
Aí sorriu-me como uma menina com um grande chupa-chupa na mão,
Nunca tendo lido dela um verso sequer, finalmente encontro uma poeta irmã.

28.04.2017

Turku


João Bosco da Silva