quinta-feira, 20 de julho de 2017

Primavera Paris Verão

Primavera

Muito tarda
o canto do cuco
em chegar ao norte.

A gengiva sangra
o sangue cospe-se
o dente fica.

É disto que te
estava a falar –
então acordo.

Não há adubo
que salve
a planta que secou.

Uma motosserra vizinha
e o meu pai
mais perto.

Seu mundo verde
e o meu
de distância.

A noite apaga-nos
os sorrisos –
que luz nos resta?

Não sorrias como se a noite
não te espere
no fim do dia.

Precisamos uma loucura
que nos salve
desta vida.

Eles regressam
a casa –
faço disto o meu mundo.

Só há verdadeira
paz
no cansaço.

São o lugar comum
que nos resta –
os sonhos.

Paris

A vinha de Montmartre
e um copo de vinho
ao Sol.

O verde antes
do palácio
satura os sentidos.

Salta a rolha
da garrafa de champanhe –
cabeça real no cesto.

Tosse o verde
cansado
de tanta pressa.

Verão

Tão pouco reino
para tanta
rainha e princesa.

Nas asas de uma borboleta
apenas pó
colorido.

Afogado em verde
o cavalo
não liga à solidão.

Verão no calendário –
pingos na lata
do coração.

Uma interrupção
consciente
na eternidade.

Chove nos paralelos
quentes –
gasta-se a vida.

Tanta água
nos passou
nas mãos vazias.

Vão e vêm
as ondas
do mesmo sangue.

Fecham-se portas –
novas flores
nascerão.

Na areia a pegada
apaga-se –
quem me recorda?

O Inverno
tão certo
como o esquecimento.

A felicidade –
isto com uma erva
na boca.

Riscar areia
com um pau seco –
poesia.

Turku-Paris-Helsínquia-Savonlinna

Maio – Julho 2017


João Bosco da Silva
Regresso Aos Dias Quentes

Quantos dia nos passam nas mãos vazias e as tornam menos nossas,
Quantos verões gastos no salto entre sonhos, quanto se deixou cair
Entre as almofadas dos sofás emprestados, para se ter uma amostra de regresso
E a certeza da sua impossibilidade e há tantos, tantos invernos
Que não a vejo a sorrir que todo o sol perdeu a força verde na pele para a terra,
Só as canções não mudam com as décadas, já o amor, esse é uma pegada na areia
Num belo dia quente, quando o inverno parece algo incerto num passado alheio
E se ignora como o esquecimento tão certo como a ausência.

Savonlinna

14-07-2017

João Bosco da Silva
Lavagem Dos Paralelos Em Julho

Naquele verão li uma pescaria inteira encostado a um choupo
À sombra da infância, enquanto ouvia inconscientemente
Os púbicos a crescer nas virilhas adolescentes das amigas da minha irmã
E o rio passava levando os segundos todos aos assentadores de paralelos
Que fazem estradas até verões chuvosos, devem andar todos fartos
Daquele verão tão espremido em ângulos diversos e vertido
Em versos parecidos a mais nada para ocupar a inocência silenciosa
De umas linhas em branco, já não estou habituado a viver,
Só sinto o sabor do que mordo, quando depois do sangue já coagulado,
Passo a língua nos dentes palidamente metálicos com um gosto
Já a melancolia e passado, moedas de cobre fora de circulação,
Só pelo filtro da saudade consigo perceber um dia de Sol
E estes verões de agora, longos fins de Setembro mas sem as tempestades
Das fomes adolescentes, só humidade nos ossos e cansaço nas bentas
Que viram tão pouco e parecem ter passado por tudo.

Helsínquia

13-07-2017


João Bosco da Silva