segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Primeiro Café 

Houve um tempo em que gostava de me fazer de puta fina, 
Que as estrangeiras me pagassem o táxi ou as estudantes a pizza no turco, 
Agora basta-me o sossego de um dedo agitado, 
O que o olhar da minha mãe me traz de longe, 
A certeza da eternidade que ainda é do meu pai, 
Os sonhos que trazem Sol à madrugada gelada 
E um primeiro café depois de mais uma última noite, 
Mais um fim que se arrepende num amanhecer 
E na mesa de cabeceira aquele livro de sempre, aberto, 
À espera de mais um dia que fique, mais uma passagem 
Pelos olhos emprestados por todos aqueles que fui 
E os que ficaram de ser, para que a almofada 
Me possa reconhecer o hálito dos dias que me foram engolindo. 

Turku 

17.12.2017 

João Bosco da Silva 
"they are not going to let you" 

Quando te sentas numa esplanada em Montmartre, bebendo o Sol de Junho 
Num copo de vinho tinto aceso à tua frente, parece que até o Inverno é impossível, 
Não passa de uma personagem de ficção num livro russo, custa a acreditar 
Que os dias possam ser cinzentos e que possa haver quem desejou ver-te 
Caído numa tempestade de vida, coberto de lama, solidão e vontade de fim, 
suicídio torna-se numa ideia ridícula que se apaga com o zumbir de um besouro numa lavanda 
E se por acaso morresses naquele momento, que se foda, os lábios manchados de vinho 
Com todos os que tocaram, o peito cheio de olhos e tinto e pupilas francesas 
De saias curtas e todos os sonhos que podiam acordar juntos, 
Depois vês o mesmo grupo de soldados passar pela quinta vez, 
O teu amigo não veio, nem disse mais nada, o Sol parece ensonado 
E os dedos escrevem como bêbados a escorregar no gelo negro, 
Sabes que a tarde acaba, que foi apenas isso, mas foi tudo e tanto em tão pouco 
E por momentos nunca houve geada, nem insónia, nem medos, nem traições, 
Nem morte de carne e osso, só um prato cheio de mexilhões. 

Turku 

19.11.2017 

João Bosco da Silva