quinta-feira, 26 de abril de 2018

Vinte e Oito 

Os vinte e oito banhistas do poema de Walt Whitman, 
A sua juventude, que foi minha, a sua força e beleza, 
A sua carne e os seus amores, hoje, vivos apenas 
Nos olhos de quem lhes volta a dar a vida naqueles versos, 
Há muito mortos todos, a carne pó, esquecimento, 
Os ossos talvez ainda um esqueleto mais ou menos inteiro, 
Aquele momento eterno, enquanto houver quem consiga 
Dar corpo à língua, tornar as palavras no reflexo de um tempo 
Cujo retorno impossível, será mesmo o universo 
Um holograma ou algo nos olhos de um poeta? 

25.04.2018 

Turku 

João Bosco da Silva 

domingo, 22 de abril de 2018

Dragon Ball Z 

"I believe in too much 
too early 
and when reality 
arrived I couldn´t 
stand it." 
Charles Bukowski 

Gostava de escrever coisas bonitas, sem sentido, mas bonitas, 
Como meter um relâmpago a foder com um abacate, 
Mas escrevo para salvar momentos, vergonhas que me esculpiram, 
Como quando na festa do monte, depois de apanhar coragem, 
Pedi à rapariga de quem gostava, que trazia um casaco à Bulma, 
Para dançar comigo, pensando que dançar era algo como o nadar dos cães, 
Que bastava dar as mãos e a magia descia aos pés, 
Mas afinal eu um desajeitado com pés enormes 
Que nunca tinha dançado antes, eu um abandono vergonhoso 
No meio do bailarico, ao menos os risos dos amigos 
Alimentados pela minha humilhação, mais tarde aprendi 
Que para foder bastava apenas um olhar e o cão lá dava às patas. 

Turku 

22.04.2018 

João Bosco da Silva 

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Objectos Últimos 

Comovem-me os pacotinhos de sumo barato nas mesas-de-cabeceira dos hospitais, 
Os desenhos e rabiscos de garotos de dois ou quatro anos que não se lembrarão do avô, 
O sumo dias e dias intocado, a fome dos últimos momentos pouca, a sede enganada gota a gota, 
Comovem-me os relógios de pulso, últimos companheiros não fosse a falha nas pilhas 
Ou de quem lhe dá corda, enfiados no fundo das gavetas contra vontade, 
Porque estavam a incomodar uma veia, escondendo assim a hora da partida, 
Os anos, décadas antes, presidentes já falecidos, à noite da boca descai-se um mãe, 
Tudo para enganar a última visita, quase sempre rodeados de outras solidões, 
Gemidos alheios que quase um eco, comovem-me as caixas de bombons 
Que ficam por ali, abertas, cheias, ao lado da placa que já não consegue nem um sorriso, 
Comovem-me os objectos pequenos, os últimos da vida, porque no fim 
Tudo sabe a tão pouco para nada ,a vida acaba e o pacotinho de sumo intocado. 

30.03.2018 

Turku 

João Bosco da Silva 

terça-feira, 10 de abril de 2018

Sem Merdas

É sempre bom sinal quando ando seco, quando me surge a ponta
De um poema e não tenho necessidade de o vomitar logo
E fica a ser digerido durante dias, dias em que não escrevo,
Porque não tenho fome, nem vazio para encher de barulho,
Contudo, sinto uma certa ansiedade nesses dias de Sol
Em que não me sinto amaldiçoado pela sombra de uns versos
Inevitáveis, necessários, obrigatórios, mesmo que ruins,
Não tenho espaço para melancolias, saudades, nostalgias
E conas que já me lavaram há muito e mesmo assim,
Sinto que algo em mim não está bem, sem mais umas palavras
Que não salvam nada, nem ninguém, só espelham o que não quero ver,
Depois acabo por escrever merdas destas, tão inúteis como as outras,
Mas sem um pingo de sangue, ou gota de esperma,
Sem lágrimas, contidas ou secas, sem transpirar um pêlo que seja,
Como dizer alto o próprio nome num quarto vazio às escuras,
Para confirmar que ainda se é o mesmo, depois do dilúvio.

09.04.2018

Turku

João Bosco da Silva

Green Hills 
  
É estranho que alguém que nos conhece tão bem, já não nos seja nada, 
Lembro-me daquela longa viagem entre Hollywood e San Pedro, 
Num dia de chuva, cinzento, em direção aos ossos ou a cinza de Bukowski, 
Lembro-me bem do banco onde nos sentamos do outro lado da estrada, 
Sobre um desdobrável com horários dum autocarro que não usaríamos mais, 
À espera doutro que nos levasse de regresso à última noite no hotel, 
Há manhãs que parecem de outras vidas, sonhos que parecem nunca 
Ter chegado ao sono, e eu tenho falhado tantos pequenos-almoços 
De hotel como vidas que me foram ou são, 
Comove-me agora mais o sacrifício em acompanhar-me 
A um monte relvado perto de um porto com cheiro a Matosinhos, 
Para ver uma pedra com o nome de um poeta que venceu na vida com as derrotas, 
Devia ter-lhe segurado no cabelo enquanto vomitava, 
Mas o que temos como certo, nunca foi nosso, o pão fica duro, 
E os mesmos olhos que nos desejavam esgaçar o prepúcio até à alma, 
Mais tarde fechavam a porta do quarto, plantando distâncias e culpa. 
  
Turku 
  
10.04.2018 
  
João Bosco da Silva