quarta-feira, 30 de maio de 2018

Conselhos Ergonómicos 

Para se viajar tem que se bater a porta, às vezes pela última vez, 
Não insistas num livro que perdeu interesse, no fim também acaba 
E foram páginas e horas desperdiçadas, alguém lhe encontrará graça, 
Há burros para tudo e gente que está cansada de rilhar diamantes, 
Desce da montanha as vezes que precisares de reencontrar o valor da montanha, 
Também sabe bem o ruído de outras almas quando se podem silenciar 
Assim que se desejar, se a solidão fosse o pior que te pudesse acontecer, 
O Inferno estaria vazio à tua espera, regressa aos livros que te fizeram sentir 
O Sol na pele e a brisa quente dos verões pela estrada fora, pelos vestidos acima, 
Nunca te excedas na contenção, não tomes risos por felicidades, 
Não imaginas os terríveis silêncios que escondem, bate a porta, 
Bate a porta com a alegria da partida, não com a vontade do regresso, 
Isto ou o que te der na gana, não uses roupa interior demasiado apertada. 

29.05.2018 

Turku 

João Bosco da Silva 

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Há Coisas Que Ficam 

Parece que o mundo acaba quando alguém fecha a porta pela última vez, 
perfume pouco dura nos lençóis, os cabelos acabam por se varrer todos, 
Os ecos duram uns soluços que logo se pintam de ridículos, 
O ar parece nunca ter sido respirado o mesmo, o Sol regressa ingrato 
À pele cujo sal se conheceu tão bem na língua cansada dos dias, 
Parece ter sido tudo por nada, como na verdade tudo é, 
Mas então repara-se, depois de mais uma descarga de autoclismo, 
No cheiro fresco e verde do mesmo bloco sanitário, persistente, 
E percebe-se que não há nada que seja em vão, há sempre coisas que ficam. 

Turku 

21.05.2018 

João Bosco da Silva 

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Verde À Beira Rio 

Sentam-se à beira do rio, não sei se à espera que a noite chegue 
Ou que o dia dure, ao lado de latas e garrafas preparadas para fazer companhia 
Ou ajudar a tolerá-la, cada um com as chaves no bolso de uma casa vazia, 
A louça suja à espera em castelo, alguém cansado numa incomodada paz, 
Num sofá ou noutros braços, a fazer horas até que o cheiro de um, 
Dê espaço ao do outro, as bicicletas passam levantando no ar 
O aroma que dá cor ao tesão e cuequinhas húmidas, 
Nos dedos manchados com tinta preta, os olhos descansam do mundo, 
Descascam as dimensões que nos permitem, a prima afastada de Genghis Khan 
Sorri do outro lado da rua e as folhas brilham verdes ao Sol nórdico, 
Tudo iluminado e contudo, a caminho da noite e do esquecimento. 

Turku 

15.05.2018 

João Bosco da Silva 

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Pequenos Hotéis Arruinados 

Que tristeza devem sentir aqueles pequenos hotéis arruinados, 
Belos ainda, apesar da ruína e da reconquista verde, 
Com as janelas quebradas e as portas esventradas pelo esquecimento 
E outros náufragos de carne e osso, nem um eco nos corredores vazios, 
Só um gato vadio na varanda a fazer de vida, dando indiferente 
O único calor àquelas paredes marcadas como os anos marcam 
A beleza dos homens, as famílias nos fins-de-semana prolongados 
Outras ruínas que na solidão relembram aqueles dias quentes 
Antes do fim da última estação, os amantes já cansados há muito, 
Os amores fossilizados no que antecede o abandono da memória, 
A cozinha fria, dia após dia, acumulando folhas errantes, Outono após Outono,  
Que beleza triste a daqueles vazios que tanta vida albergaram. 

Sinaia 

30/04/2018 

João Bosco da Silva