quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A Todos Os Que Poderiam Ter Sido 

Enquanto nos queixamos desta hora que não passa e esperamos 
Que logo seja amanhã, chegamos ao demasiado tarde para tudo, 
Nunca as mãos parecem conseguir fazer nada com o que agarram, 
Tudo lhes parece estorvar a vontade e no fim acabam sempre vazias, 
Ou cheias de terra se a madeira ceder ao peso do que nos separará 
Do que fomos e os esquecimentos que semeamos em vida, 
Bater palmas e sete palmos de terra nos olhos, um nome e uma data, 
A vida isto e todos os sofrimentos que se apagam num suspiro, 
Todos os sonhos que se apagam numa linha, todo o tempo perdido, 
Investido ou em ingratidão ou em ilusão, amarelecemos, inchamos, 
Vamos caindo aos bocados, ainda ontem era sexta e caminhávamos 
Em direcção a casa, onde a lareira já estava acesa, a galinha ainda quente, 
Depenada, pronta para o jantar, o Natal a caminho, uma horita à escapada 
Para construir um império, a mão esquerda no bolso a direita sempre fria, 
Sábado se o musgo estiver seco uma volta pelo monte, 
Domingo amparar os queixos das velhas com a patina, 
Hoje vidas que se desfazem no teu maior esforço, embrulhadas em lençóis, 
Afogados por uma sede verde, tropeçando nos inúmeros azares que a vida proporciona, 
Se hoje fosse sexta diria, vive o mais devagar que possas, 
Não te habitues à pressa, ao barulho, conserva o vazio como um tesouro, 
Nada será mais tu que esse vazio puro e inocente, não te enchas,  
Não te satures e não te agarres a nenhuma certeza. 

08.11.2018 

Turku 

João Bosco da Silva

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