terça-feira, 25 de setembro de 2018

Três Juncos  

Voam as libélulas 
a hipocrisia 
afoga-se no vinho. 

Nesta casa pequena 
podia haver 
mais um copo. 

Sempre difícil partir 
quando se chega 
tão pouco. 

Não tentes apagar 
o que não podes 
esquecer. 

O poeta escreve 
na máquina -  
estão a fazer pipocas. 

Canta um galo 
e regresso 
verdadeiramente. 

Ainda os lagares 
tão vazios 
e as moscas desesperadas. 

Ao Sol da manhã 
não precisa de açúcar 
o café. 

O deslumbramento  
dos tolos  
fascina-me. 

Quem cortará 
o presunto -  
vespa no dedo. 

Aberta a melancia 
sobre a mesa -  
quem a esqueceu? 

Longe, tudo 
sempre -  
a vontade. 

Pastam as mulas 
o Sol 
que a terra guarda. 

Tantas portas 
se abriram  
pela fome. 

Enquanto parto 
três juncos 
o rio passa. 

A vespa pica 
até as mãos 
mais inocentes. 

Em frente ao rio 
de joelhos 
nasce um haiku. 

Passa o rio 
com ele 
nós também. 

Quantas vezes 
só o exosqueleto 
parte. 

Cidões, Agosto 2018 

João Bosco da Silva
Verde Dourado - Haikus 

Verde, verde, verde, 
nos olhos  
a Primavera. 

Em frente corre 
a humanidade -  
passa o ribeiro atrás. 

Silencioso o ribeiro 
corre eterno -  
passam carros na estrada. 

Onde estão as sombras 
para os cavalos 
do nosso descontentamento? 

Como o Sol na mica 
os teus olhos 
nos meus. 

Onde levam a pressa 
todos os pés 
sem saída? 

Passo os dedos 
nas páginas em branco -  
vontade do teu cabelo. 

Voltar a ter medo 
de todo o futuro 
num desconhecido. 

Pequenos salpicos 
as flores no prado -  
o Sol na tua cara. 

Neva nos olhos 
da menina -  
flores de cerejeira. 

Caem pétalas 
cor-de-rosa -  
leio Han-Shan. 

No chão e no passado 
todas as 
primaveras. 

Passa anónima 
aquela carne 
tão familiar. 

Quantas bicicletas 
e eu só 
no banco de jardim. 

Dia raro 
gotículas de suor 
relva aparada. 

Passam semanas 
sem sequer 
existires. 

Tão longe do Sena 
hoje 
em Montmartre. 

Não pode ser verde 
o que sinto 
porque arde. 

O vestido verde 
as calças pretas 
olhos nus. 

Por quem espera 
ao lado do candeeiro 
apagado? 

Tão sozinho  
há dias -  
felicidade. 

Vento quente 
na minha barba - 
os teus lábios ausentes. 

Chegam as flores 
de cerejeira 
e eu a casa. 

Onde foi 
a infância 
dos meus versos? 

As árvores 
quase eternas 
porque não lembram. 

Pode o Inverno durar 
mas o verde 
regressa sempre. 

Sobre o verde 
manto 
a eternidade. 

Nos olhos 
a eternidade 
sobre o verde manto. 

Gotas frias 
de chuva no pescoço 
até na Primavera. 

Há amores que duram 
verões 
outros infernos. 

Assenta o pó 
tudo perde 
a clareza. 

Depois da última 
cerveja 
tudo sabe a solidão. 

Lembro-me do 
David Carradine 
no dia do Anthony. 

Uma vida a balançar  
e acabar 
pendurado numa corda. 

Quantas voltas 
ao mundo 
no nó da corda. 

“Onde deixaste 
o cajado?” -  
ao lado da cegueira. 

No vento ouço 
aquela abelha 
à porta do cemitério. 

Está no Sol 
toda a vontade 
da iluminação. 

Nos beijos  
irrepetíveis 
a eternidade. 

Pode não salvar a vida 
a Bic preta 
mas salva. 

Quem me sonhas 
quando eu 
ainda acordado? 

descanso 
depois da segada 
o teu púbis. 

O arco-íris 
usa apenas uma cor -  
meia-noite. 

No céu dourado 
a vontade 
do dia quente. 

De quem és 
fome de todos 
os sóis ausentes. 

Aqueles dias tristes 
hoje uma alegria -  
chove. 

Em cima do muro 
uma brisa quente -  
tempo das cerejas. 

Dias frios 
no verão -  
sabor a partida. 

Sabem a partidas 
os dias frios 
no Verão. 

A beleza do fim de Verão 
apenas no amadurecer 
das uvas. 

Quanto mosto 
desperdiçado 
na ausência. 

Na escuridão 
o ouro frio 
como qualquer metal. 

Chuva de Julho -  
olhos à janela 
da adolescência. 

Esconde-se no tinto 
a luz dos dias 
escuros. 

No bruxulear das velas 
todos os contos 
da infância. 

Abrir uma de Bordeaux 
e regressar 
com a caneta a Paris. 

Perde-se a vida 
num cigarro 
ganha-se num beijo. 

Temos o tempo 
em que podemos 
contá-lo. 

Sonhamos com o tempo 
que acabamos 
desperdiçando acordados. 

Dá-me um último 
beijo -  
esqueci o final. 

Escrever às escuras 
para encontrar nas sombras 
a verdade. 

Vinho tinto 
à luz das velas -  
não anoitece sequer. 

Água e luz 
algum tempo -  
nasce a beringela. 

Verde que se enrola 
gentilmente 
no esqueleto. 

1“Não me odeiem” - 
todas as canções 
um pedido. 

Ao fim da tarde 
o cheiro dourado 
do feno. 

Primavera- Verão 2018 

Turku-Helsínquia