sexta-feira, 10 de maio de 2013




Refluxo Gastroesofágico

Tudo não passa de tentar tornar os muros dos meus avôs públicos, só porque me revoltam
Aquelas fontes nas capitais tão velhas como uma aldeia de peregrinos, as pedras tão gastas
Da curiosidade dos turistas e os muros dos meus avôs, dos seus pais a serem escondidos pela
Vergonha dos musgos e tento despir-me de tudo verde e só nos olhos a antítese dos musgos,
Dispo tudo com um fogo de chamas infernais, e no fundo com a inocência de quem esmaga
Grilos entre duas pedras lisas de xisto, a população toda de um lameiro, culpem o tédio, uma alma
Presa na camisa-de-força da doutrina de Domingo, quando as asas me pediam os dedos
Nas conas das catequistas, como o filho do cantoneiro, no palheiro do pai dela debaixo do
Reboque do tractor, e conspurquei-me com as fodas urbanas, os esguichos anónimos e apressados,
Sem acabar de tirar a camisa, molhada de prazer que não se consegue sentir pelo excesso de tudo
Menos do vinho da vinha do avô, também ele morto, na companhia do vazio do outro, também,
A ser esverdeado pela eternidade fora, enquanto eu conseguir imaginar uma eternidade fora,
Cá dentro, sentado no muro do lameiro grande, a ouvir as rãs do poço a fritar ao Sol, enquanto o meu avô
Esculpia da cortiça dois bois, e o outro armava laços aos javalis na vinha, e eu guardava anos dentro
Para os florir em pecado, tornar os muros anónimos em poemas que pelo menos levo dentro
E pisam comigo as calçadas das cidades antigas, das capitais de línguas desconhecidas,
Dos meus avôs, mais uns goles e isto vai lá, as mãos ainda latejam, o refluxo torna-se num
Vomitar contínuo, numa diarreia inversa, perde-se  o medo de perder e segue-se, esmagam-se
Um a um, os grilos, os pedaços de inocência levados pelo tédio, pela desilusão, pelos fungos
Que tornam os sonhos bolorentos até não se poderem comer mais, um beijo no pão e para o silvado,
Não se esquece, mas o mundo que se cria cá dentro tem o tamanho da nossa voz, avôs,
Tento gritar, mas a pipa, mesmo que seja a maior da terra, nunca será suficiente para
Aliviar a sede do mundo, os muros tão velhos, tão anónimos, só porque aí e até a cerca de arbustos
Daquela aldeia Massai, mais vista que estes muros, virgens comparando, onde atrás deles fodas tão
Inocentes, como o tédio que esmaga os grilos um a um e eu vendi a alma às cidades
Em troca de ejaculações quentes e inesperadas, sobre uma camisa à espera de versos
De vinho tinto e saudades e a puta da vida que vos acabou e me levam para lado nenhum,
Meto dois cartuchos, um será para assustar a morte e levantar os corvos dos castanheiros,
O outro será para ter sempre presente a esperança que só morrerá com a morte, até lá,
Gritarei pedras e esperma seco nos musgos, na manhã depois da festa do verão, meu vosso, nosso.


10.05.2013

Turku

João Bosco da Silva

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