sábado, 19 de março de 2022

 


Ghouls´n Ghosts

 

Lembro-me da primeira vez em que cheguei ao fim,

Era uma tarde cinzenta, acho que a minha mãe fazia compotas,

Os vidros da janela da cozinha estavam embaciados,

Outros estavam tapados com fita cola castanha,

Lembro-me da primeira vez em que julguei ter chegado ao fim,

Só para perceber que tinha de começar do início

Com o dobro da dificuldade e com um poder quase inútil,

Mas essencial para poder defrontar o Loki e salvar a Princesa,

Naquela tarde não me apercebi que a vida seria aquilo,

Almejar chegar a um fim que não acaba, só para enfrentar tudo

Uma vez mais, com um grau de dificuldade incompatível com

A nossa experiência, que nos tornou obrigados a ser capazes,

Aprender a perder melhor, a perder mais, deixar as ilusões

Abrirem-se em desilusões colossais e continuar,

Um tio fascinado por cabos de alta tensão para os lados do cemitério,

A namoradinha do ciclo aos beijos com o bonitinho da escola,

Um avô que amarelece e já não consegue levar a colher da sopa à boca,

Tu emigrado numa ilha e a tua namorada a foder um estranho,

Outro avô que desce da mula para sempre,

Deixar a ruiva pela felicidade de um pesadelo nebuloso,

A avó que se esqueceu de ser, começar tudo de novo,

Repetir os mesmos erros com destreza, torná-los maiores,

Perder um país, arrancar as raízes na época da poda,

O amigo que te emprestou o jogo que parte para o fim

Antes do mundo acabar, quando falta tão pouco, finda a tua imortalidade,

Lembro-me da vez em que aprendi a temer o que o fim começa.

 

21.03.2022

 

Turku

 

João Bosco da Silva