quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Cadillacs and Dinosaurs 

A felicidade custava cinquenta paus em 1994, apesar de estar longe dos castanheiros, 
A felicidade era ela, três anos mais velha, uma mulher, com all star verdadeiras, 
Ia ter comigo à tenda, no rádio dos vizinhos tocava pela milésima vez Wighfield, 
Eu apanhava pinhões da areia, pensando na mijada no colchão da noite anterior, 
Não era alergia aos pinheiros, nunca tive alergia aos pinheiros, era de dormir no mijo, 
Esperar que até à manhã aquilo secasse e ninguém reparasse, era vergonha, 
Puxava-me pela mão em direcção ao salão de jogos do parque de campismo, 
E lá íamos sozinhos, ela passava todos os verões no parque, já era grande, 
Acho que nunca passamos do terceiro nível, escolhia sempre o Mess O., 
Não me lembro quem ela escolhia e é triste, o esquecimento, mas hoje, 
Apesar dos prédios ainda não estarem parcialmente cobertos de água na East Coast, 
Já não se deve lembrar daquele jogo arcade, muito menos daquele garoto 
Que mijava na cama e que foi ver a final do mundial de futebol à sua tenda, 
Foste a minha melhor amiga daquele verão em que pela primeira vez 
Fui tomar banho sozinho ao balneário dos homens e enquanto a água quente 
Da ficha ainda durava, senti-me um homem e esqueci-me que ainda mijava na cama. 

Turku 

12.11.2019 

João Bosco da Silva 

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A Hora Mais Escura 

“Te visitan em la hora más oscura todos tus amores perdidos.” 
Roberto Bolaño 

É nesta época de máscaras, fogueiras e cemitérios, da despedida definitiva 
Ao que do verão restou, que todos os amores perdidos, todos de uma vez, 
Visitam o silêncio amargo que se instala na letargia da alma arrefecida 
Pela longa escuridão dos dias, todos de uma vez, confundindo-se  
Numa massa incorpórea de carne, nomes, vozes e promessas, 
A cor dos olhos de um com as curvas e ausências de outros, todos aqueles 
Cheiros nestas mesmas mãos vazias, gostava de ter lido Bolaño no Outono 
Da minha juventude, teria se calhar tocado menos e agarrado mais, 
Evitaria coleccionar tanta ruína, nomes no vazio, pedras nos bolsos, 
Ou não, quem me visitaria agora, se não esta gloriosa ausência, 
Aconchegante como uma lareira onde arde a última lenha numa noite de apagão. 


Turku 

03.11.2019 

João Bosco da Silva