sábado, 28 de janeiro de 2023

 

O Teu Aniversário Visto por IA

 

A cera escorre pelas certezas abaixo, abrasadora como o feitiço

Dos primeiros amores à geada, depois dos verões parecerem

A vida antes do anjo vir expulsar os comedores de maçãs proibidas,

A distância é um cavalo veloz, uma ferida sagrada que te lembra

De que cada galope o último, morrer no inverno, levar os ossos

Gelados pela eternidade fora, um nunca mais num copo cheio,

Tudo inútil como a folha que a neve conservou até à primavera,

Nada mais resta, ser tocado pelos amieiros rio abaixo,

Rasgando e poluindo tudo à passagem desnecessária da carne,

Um morcego capturado na confusão de salmos e sermões

De aldeia, morto na sanita e sepultado nas fragas de granito

Onde escorpiões vagueiam à noite sob mimosas e outros invasores,

Hoje o teu aniversário e não se decide se o sonho foi acordado

E a coragem ainda impossível, como cera escorrendo à geada.

 

28.01.2023

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 

Merda de Cão

 

A caminho do centro da cidade, em frente a um restaurante indiano,

Um homem arranca dum bolso um saco de plástico,

Que com grande dificuldade de luvas, tenta abrir,

Ao seu lado, um cão felpudo olha para um grupo de cagalhões

No passeio, com ar de alívio e vergonha, o saco que não quer abrir

Em direção à merda canina e a na cara do homem uma frustração gelada,

Ali mesmo, eu e a poesia, o ridículo no seu esplendor,

Eu o cão e o homem, os meus dedos naquelas luvas,

O saco que não quer abrir e a merda ali, fresca, à vista

Do mundo e das narinas mais perspicazes e sensíveis, toda a

Inspiração possível ali, à espera que eu a apanhe e a amasse

Num poema, lhe dê uma forma qualquer, eu apenas aliviado

E envergonhado pelo producto resultante de tal necessidade,

Nunca fui afinal poeta, muitos tinham razão, andei apenas a passear

Um cão que viveu dentro de mim todos estes anos,

Agora alimento-o a vinho e solidão, caga pouco e ladra menos,

Durmo melhor à noite e quando acordo, não me interessa sequer

Se o saco não se quer abrir na inabilidade dos dedos gelados.

 

28.01.2023

 

Turku

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

 

Batatas Cozidas com Casca

 

Depois do trabalho, gosto de sentir o ar gelado

No meu rosto ainda quente, na vizinhança,

Alguém coze batatas, com casca, aquele cheiro,

Aconchegante nos quinze graus negativos,

Leva-me a casa, à casa de verdade, lembra-me

De um filme húngaro, uma ventania a preto e branco,

Do colapso de Nietzsche, batatas cozidas com casca,

A simplicidade dura e reconfortante de estar vivo,

Num dia que acaba frio e vazio, como se a eternidade

A inercia afiada deste silêncio sem vento, na periferia

De uma cidade cada vez mais estrangeira,

Quem me dera regressar a casa e ter, ao menos,

A certeza de uma panela de batatas cozidas com casca.

 

Turku

 

05.01.2023

 

João Bosco da Silva