terça-feira, 5 de maio de 2020


Primavera

A Primavera regressa sempre com a força de mil recordações,
Tardes à beiro do rio celebrando aniversários dentro de vizinhas e estrangeiras,
Todas aquelas virilhas de reputação duvidosa, estranhamente perfumadas
Pelo ar saturado de pólen e verde, o esperma escorria à segunda investida,
A noite arrefecia as promessas que o Sol fez à terra, tanta estrela para apagar,
Agora, as mãos desenham no ar aquilo que mais próximo de nada,
Pareço o único a lembrar, ou terei apenas sonhado a profundidade daqueles olhos,
A Primavera, entra dura, desabrocha até vontades esquecidas,
Mas já passaram décadas, já nos morreram mais do que os que inventamos,
E mais um poema é apenas a evidência de que sonhar é tão inútil quanto viver.

05.05.2020

Turku

João Bosco da Silva


Sonhos de Nata

Sonhei com a tua cremosa mentira, éramos quase estranhos outra vez,
A escuridão suja de uma casa quase abandonada e fria, acolhia-nos o pecado,
Sonhei com a tua cremosa mentira, escorrendo-me pelo amor ao nojo,
A vontade angustiante era de abismos, de uma cuspidela na boca luminosa,
Sonhei com a tua cremosa mentira, num sonho perfumado por madeira húmida
E telhados de zinco, o apodrecimento lento da inocência numa aldeia quase deserta,
Sonhei com a tua cremosa mentira, espalhada orgulhosamente no centro da tua vaidade,
Mas nunca o saberás, espelho das minhas traições desencantadas,
Sonhei com a tua cremosa mentira, formando uma aureola na minha carne pagã,
Encerrando o esquecimento que me impus, tem sido fácil o vazio.

Turku

05.05.2020

João Bosco da Silva