Um Trasmontano Em Estocolmo
Estávamos nós a conhecer as praias brasileiras e estes de machados em punho a regressar
Do novo mundo,
E hoje sinto-me mais feio que nunca, um cão rafeiro rodeado por bonecas e bonecos de carne
E boa estrutura óssea, como se fossem um acidente feliz da engenharia genética, com a sua sociedade
Que mais parece um filme de ficção científica sobre um futuro optimista. Chove, chove muito
E até por dentro, a água corre por mim e quase me torno menos tosco a uma distância segura,
Se ao menos uma máquina de barbear ou menos cabelos brancos entre a cor da terra, outra postura
Que a de batido pela vida (cão com rabo entre as pernas), mesmo que ela me sorria tantas vezes.
Fui feito para viver num castro, dormir entre granito com musgo verde a crescer por fora,
Comer pão de bolota e armar emboscadas aos romanos que tornaram as distâncias tão curtas
E o mundo tão pequeno (e nós ajudamos), com as suas estradas, as suas pontes, as suas sandálias...
Estes vikings irritam-me, incomodam-me como o sol de Agosto às três da tarde contra a minha pele
Ironicamente pálida, sensível, revestindo uma alma de granito, raízes de Torga e geada das manhãs de Janeiro.
Apetece-me demolir estas casas de bonecas e nas ruínas acender uma fogueira que torne a noite
Numa eternidade pequena, das que trazem alma à gente de hoje. Inveja das três coroas,
Do império nórdico, eu que finalmente trouxe os meus olhos verdes além das montanhas,
Depois de antes de tanta glória e terramoto, tanto inimigo diferente, só as fogueiras permaneceram,
As antas com os ossos esquecidos dos meus prováveis antepassados, inveja da casa que nunca tive.
19.06.2011
Estocolmo
João Bosco da Silva