Um Para Nada
Encerro o
cacifo e atravesso o subterrâneo como um zombie, a luz fraca da manhã húmida
E quase
quente cega-me, quem dependia de mim ainda por cá, espectros atravessam-me,
Bicicletas também,
vermelho, verde, qual para atravessar, esquerdo branco, direito, alcatrão,
Entro na
loja quase vazia, só caras de sono, atravesso as inutilidades e compro dois
lanches,
Um litro de
sumo de toranja, ninguém sorri na caixa, um número dito, um número marcado,
Sumo debaixo
do braço ombro contra a porta e rua, a curta distância parece esticar,
O espaço
também tem muito de relativo, quando o tempo parece parar, os ponteiros
Fingem mover-se
enquanto se olha, voltam-se as costas e eles a recuar, a parar, mais uns
Passos,
abre-se a porta, atiram-se com as Chucks para um canto, o saco com os lanches
para
Cima da
mesa, o litro de sumo de toranja, a vida isto quando ninguém morre, ligo o
rádio,
Sintonizo-o
no de sempre, às sete e meia só suporto música clássica, vou buscar o livro de
Contos à
mesa-de-cabeceira, na cama alguém dorme, conheço-a quando acordada,
Pelo menos
é-me familiar, a dormir sempre estranhei toda a gente, até a minha mãe,
De boca
aberta, sem palavras, sem sorrisos, parece que só o corpo ali, a gente perdida
Em sabe-se
lá que sonhos, pouso o livro do lado esquerdo, do lado direito encho um copo
De sumo,
tiro os lanches do saco, pego num com a mão direita, o livro na mão esquerda,
Ia aqui, um
pouco de vida, de um morto, à minha vida, neste dia que começa onde eu estou
Mortinho por
acabar, mastigo como quem lê, leio como quem engole, empurro mais
Um paragrafo
com goles de sumo, não paro, não penso, ainda estou no modo automático,
A engrenagem
ainda gira, deixo as palavras ocupar o vazio que me preenche a estas horas,
Na maioria
das horas, o estômago aguentará umas horas sem me chatear, poderei dormir
Pelo dia
fora, de boca aberta, sem palavras, sem pedidos, sem exigências, sem
espectativas,
Sem medos,
ilusões, riscos, aborrecimentos, tédio, tédio, não me lembro da última vez em
Que escrevi,
para quê, que há para escrever, não consigo acabar o capítulo, fica para
amanhã,
Não, amanhã
não, quando acordar, hoje já ganhei o dia e perdi-o, provavelmente beberei
Quase tudo
na próxima folga e jogarei o resto numa mesa qualquer de blackjack, tento o
azar
Para evitar
a sorte de alguém querer satisfazer os meus impulsos numa casa de banho de um
Bar underground,
cheio de vazios sedentos por alguma cura doentia, fecho o livro, parece uma
noite
Qualquer do
meu outro, aquele que geralmente colhe material para eu depois escrever nas
Horas vagas
em que o tédio não me vence, apenas me acompanha, a música é-me familiar,
Tento lembrar-me,
mas deixei de querer saber destas coisas desde os dezassete anos,
Sei que não
é Wagner, disso tenho a certeza, coloco o sumo no frigorífico cheio de comida
que
Fará parte
deste meu corpo nojento, pele e pelo, nem a cabeça me salva, existe um
equilíbrio
Entre a minha
confusão interior e a imperfeição exterior, tento encontrar-me no que
Torno exterior,
atiro com a roupa para cima de uma cadeira, meto os dedos nos olhos
E torno o
mundo menos nítido, melhor assim, não compreender por razão orgânica,
A nitidez
não ajuda em nada, mas pronto, lavo os dentes, cuspo sangue, as gengivas choram
O que os
olhos secam, mijo, de olhos fechados, sabe bem, sinto o calor amarelo passar-me
Rapidamente pela
uretra, lembro-me dela, todas as suas caras, começo a sacudir, mais que
Sacudir, ela
dorme e isto é apenas um alívio, não quero mais companhia que a dos sonhos,
Desisto, é
inútil, quando acordar, quando acordar estarei só, invariavelmente só,
Deito-me e
sinto o peso do mundo escorrer para o colchão, isto é um dia na vida de um poeta,
Longo, um
desperdício de tempo como é um desperdício de palavras este poema,
Um adiar por
algo que valha a pena, um poema que valha a pena, um dia que não seja
Apenas mais
um passo para chegar lá, lá, quando lá é lugar nenhum, é nada, dorme.
25.07.2012
Turku
João Bosco
da Silva