sábado, 16 de janeiro de 2016

37 graus

Setembro depois do Dia do Trabalhador,
37 graus em Burbank, Calif.
estou a olhar para uma mosca
uma pequena mosca castanha numa cortina amarela;
os Mexicanos  seriam espertos o suficiente e dormiriam debaixo de árvores
num dia como este
mas os Americanos são dominados pela ambição
eles sobreviverão como poderosos e infelizes
neuróticos,
agora mesmo o dinheiro dos meus impostos está a largar bombas
em pessoas famintas na Ásia
enquanto eu me debato com a pequena mosca que voou da
cortina até perto do meu ombro;
tento acertar-lhe mas falho a mosca,
neurótico Americano eu,
os rapazes que pilotam aqueles aviões são bons rapazes, gentis,
eles matam apaticamente
com honra e graça,
sem ódio.
eu conheço um, ele é agora um prof que ensina Literatura
Americana na universidade de Oregon ,
já me embebedei com ele e a sua mulher, várias vezes,
então ele ensina-me,
o que é bom.
37 graus em Burbank
e enquanto me sento aqui
inúmeras coisas estão a acontecer,
a maioria coisas tristes
como mecânicos asneirentos com ressacas enfiando-se debaixo de carros
e dentistas bêbados arrancando dentes e praguejando
e cirurgiões carecas fazendo uma grande trapalhada,
e o editor da revista Time saindo com  o carro de marcha atrás
da entrada da garagem
depois de uma discussão com a sua mulher;
estão 37 graus em Burbank
e está um jacto lá no alto,
não acho que me irá bombardear,
aqueles Asiáticos não têm suficiente dinheiro de impostos,
os únicos Asiáticos espertos são aqueles que alegam ser
Supremamente Abençoados, falam bom Inglês,
deixam crescer espessas barbas cinzentas mais um sorriso celestial encimado por
olhos brilhantes e
cobram $4 por entrada no Santuário para
ensinar serenidade e não-ambição
e fodem metade das raparigas intelectuais da cidade.
estão 37 graus em Burbank
e aqueles que vão sobreviver sobreviverão
e aqueles que vão morrer morrerão,
e a maioria secará e parecerão sapos comendo hambúrgueres
ao meio-dia,
eu não sei que fazer –
enviem o dinheiro e mostrem o caminho,
sejam bons para mim,
eu gosto assim
sem esforço, fácil e agradável , lembrem-se,
eu nunca bombardeei
ninguém, eu
nem consigo matar esta

mosca.

Charles Bukowski, Mockingbird Wish Me Luck (Blacksparrowpress, 1972)

Translation: João Bosco da Silva
Nas paredes do meu quarto vazio
o teu nome persiste,
após anos sem olhos ou palavras
sou eu quem te faz existir
neste universo moribundo.

16.01.2016

Turku


João Bosco da Silva
O Sabor Do Mijo

Enquanto retraia o prepúcio numa mija no bar, lembrei-me da primeira vez
Em que mijei na minha boca, com um jacto forte, quente, jovem, limpo,
De uma gaita imberbe, nas traseiras da escola da aldeia na quarta-classe,
Que rebeldia, e a gaita tesa pela hóstia de Domingo desconsagrada no sangue,
Era pecado de certeza, como pecado era abrir as beiças das coleguinhas
E beijar-lhes o grelo mal lavado e grelado nas casas de banho e o esfreganço
Com ou sem roupa, dependendo da estação e dos irmãos delas,
Um gajo vinha-se em seco, uma espuma tímida quanto muito, seminal,
Provavelmente inócua, mas cheia de vício original, nada se sentiu romper,
Só aquela dor depois do gosto e ela e dizer que se não continuasse
Não voltava a pinar com ela no mini abandonado na eira do avô,
Era gosto, orgasmo primordial, depois eram as punhetas debaixo da carteira
Que a professora tolerava com muitos descruzares de pernas, diziam que gostava
Mais de foda que acordar cedo para dar aulas a garotos à geada na aldeia,
Agora o jacto em frente, expulsando o excesso de cerveja enquanto se procura
Em cada cerveja o sabor da primeira, comprada a meias com os primos
Na tasca da aldeia e bebida no curral das vacas enquanto as bostas
Caíam como sonhos esquecidos à força no chão sem palha que a água e o mijo lavaram.

Turku – Brewdog

12.01.2016


João Bosco da Silva
Se tivesse esperado pelo amor
nunca teria tomado azitromicina
e agora seria um esqueleto
sem pele à geada no muro
daquela casa abandonada.

16.01.2016

Turku


João Bosco da Silva
Um Tropeço Nos Dias Quentes

Tantas vezes me sento e espero que seja aquele banco à geada,
Com o cabelo recém cortado e as orelhas geladas, com uma mensagem
Da pessoa errada no telemóvel que mal me cabia no bolso,
Lá na terrinha, antes do restauro dos muros e do esquecimento das fronteiras
De outros, espero que seja a cadeira com a esponja a sair de um buraco
No barbeiro com hálito a cebola, com o calendário de há dois anos
A mostrar umas mamas que gravava para a punheta na cama que encolhia
E me esmagava com tantas mantas rodeadas por paredes manchadas com
Fungos moribundos com o frio, espero que na manhã seguinte ninguém me acorde
Para me encher com o cheiro a porco agonizando na lâmina do coveiro da terra,
Contudo, seguro no futuro presunto convulsivo e arranco as vísceras
Com mãos finas que os anos tornaram mais certeiras, sem sentir os dedos
Gelados pela manhã geada, com as cuecas no estendal, mais tesas que
A consequência daquela silhueta à porta, através do vestido azul em Agosto,
Enquanto os dióspiros acumulavam doçura encostados aos muros de granito,
Sento-me, abro mais uma cerveja, engulo-a e espero que valha a pena o passado
Que trouxer, o cabelo cai, queimado pelo sol, contudo escurece, também
O coração cairá, queimado pelo frio, pelos dias demasiado longos no Inverno,
Quando me rasgo, metro a metro, e nos intestinos ou circunvoluções,
Procuro uma recordação que me aqueça, que me faça não precisar das mantas
Na manhã alargada pela falta de vontade de continuar a envelhecer,
Mais um cabelo branco, a barba que parece um camaleão preguiçoso na cara pálida,
Tantas vezes me sento e procuro aquele frio das pedras de granito dos muros da aldeia,
Onde me sentava a ler Caeiro e tudo parecia tão simples e certo e cada derrota
Uma estação que tinha que se aguentar, há anos que não abro o livro,
Sempre na mesa de cabeceira, como um crucifixo à cabeceira da cama,
As geadas tornaram-se numa memória quente, enquanto o copo aquece,
Longe, perdido, onde só o cabelo e as unhas crescem, sem caixa e pena
E flores secas, velas por favor, missas, até o nome se tornar um tropeço nos dias quentes.

Turku

16.01.2015


João Bosco da Silva