quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Lições De Música Nos Bancos De Trás

Um gajo sentado nos bancos de trás do carro da mamã,
Aprende a esquecer o gosto pela música clássica e até toma gosto
Pelo que a rádio lhe vai impingindo nos ouvidos ao ritmo abanado
Da excitação híbrida, no fim de contas, é o teu aniversário
E a vida imita o rio, e os vidros imitam-te a cada expiração,
Nem queres saber que os pescadores estejam distraídos da boia,
Ou que o motor de rega do outro lado do rio fique sem gasóleo,
Nem que Nietzsche dizia isto e aquilo das gajas e que provaste
O primeiro grelo e a primeira foda dentro embalado por Hemingway
E a guerra civil espanhola, e no rádio tudo soa ao mesmo,
Para cima e para baixo, a abrasão nas coxas a aparecer,
Parabéns, estás a vir-te num recinto fechado, é inútil,
Mas no teu cérebro embaciado, uma conquista do caralho,
Mais uma, o maior, o maior até que no vazio do espaço
Para tal tamanho, de regresso à aniquilação do útero
Depois de se roçarem numas quantas promessas de vida e morte,
Mete a punch-line nos tomates, levanta-te mas é.

Turku

23.09.2015


João Bosco da Silva
Janelas Fechadas

Parece que ainda sinto as janelas fechadas daqueles tempos frios, antes
Das danças na chuva e dos cigarros molhados no chuveiro, das manhãs
Exaustas entre desconhecidos desesperados por um pouco mais de luz
Antes de irem dormir em camas frias de abandono e traição,
Parece que ainda ouço o bater ritmado dos vizinhos até aos passos
E as descargas na casa de banho, enquanto lia páginas e páginas
De poesia que apagava com os olhos, porque dentro um salto das janelas
Fechadas, a cada passo nas ruas uma dentada do tamanho da vida,
Parece que ainda sinto a textura amarelecida daquelas páginas
Que cobria de passado e de resignação, dos sonhos inúteis que trouxe
Emprestados de quem não me reconhece mais, azedos como os últimos
Raios de sol já frios do fim dos curtos dias, nas unhas o cheiro de todos
Os pecados misturado com o tédio dos copos vazios da noite anterior,
Parece que ainda sinto as janelas fechadas neste quarto sem janelas,
Onde me alimento do que foi digerido vezes sem conta,
Porque às vezes morre-se tão antes de se morrer, dura-se, ou pouco mais,
Com o pão que os fantasmas trazem por piedade ao cemitério de carne.

22.09.2015

Turku


João Bosco da Silva
Anos Noventa, Raquetes De Ténis, Gin E New Order

Em 1990 uma velhota emigrante de uns 40 ou cinquenta anos ofereceu-me uma
Raquete de ténis da adidas, enorme, parece que naquele tempo, em Portugal,
Era moda como agora o gin, aquela raquete um copo de gin obsoleto, enquanto
Que nos campos de ténis se acumulavam folhas podres e ferrugem,
Que ia fazer com aquilo, aquele tesouro cujo valor nunca consegui calcular
Até mais tarde saber que ninguém dá nada de real valor a garotos
Sem nada em troca, está bem que parecia uma menina na altura,
Quanto à raquete, com ela perdi a única bola de ténis de um amigo meu,
Ao primeiro servir, atrás da minha garagem em Trás-os-Montes, a bola voou
Até ao monte e provavelmente foi levada por um javali a pensar que era uma meloa
Peluda e rija, acabou por ali o ténis, a raquete deve ter apodrecido na garagem
Entre escorpiões, contudo ao ouvir Blue Monday, lembro-me sempre da raquete
De ténis, da emigrante francesa, que na altura me pareciam seres vindos do futuro,
Dos campos de ténis abandonados e do cheiro a eucalipto do Minho,
Lembro-me que mesmo que me tenham dado hipótese, nunca a tive.

Turku

22.09.2015

João Bosco da Silva