Três Mulheres À Espera No Hipocampo
“there is always a women
to save you from another”
Charles Bukowski
Sentada à espera, de pé com calças brancas à espera, outra à espera,
Com menos carne, mais anos, ruiva, em chamas, com fome,
Tão longe da possibilidade na impossibilidade do espaço que se pisou,
Infinitos autocarros, intermináveis comboios que nunca chegaram
E o mundo todo à espera de quem nunca chegará, vive longe
Do tempo quente do sol agradável da primavera, em frente ao hospital,
Dentro de osso e trancado com cabelos brancos debaixo de muito lixo.
No fim, só tudo o resto é que mudou de lugar e estranha-se
O mundo todo como se fosse sempre uma primeira vez
Ou a última há dois ou três tempos atrás, enquanto as vidas passam
E ninguém espera, ninguém pode esperar, fora da vida das vidas.
Sentada à espera bebendo o sol contra a estação de comboios,
A pensar em rios, beijos e muitos dedos, deitada no verde de alguém,
A ver a gente que passa e se apressa para táxis, metros, autocarros,
O comboio regressa à cidade onde submissa e doce nas camas todas da casa,
Não enquanto o sol e o rio forem dia, não enquanto espera na eternidade
De um momento nunca desfeito, apesar de faltar tudo menos a recordação.
De pé com calças brancas, espera, farta de desejos naquele corpo recheado
De vontades desconhecidas, com medo de oralidade sem palavras,
À espera de se apaixonar de novo por mais uma desilusão adiada,
Avisada, divorciada, continuando à espera, ansiosa pelas inúmeras
Ejaculações que secarão antes de chegar a casa dos seus pais.
Outra, mais anos, há anos atrás, regressando sempre, nunca a mesma,
À espera a primeira, como a primeira vez, vontade de anos,
Sonho morto com os olhos flamejantes e apartamentos desconhecidos,
Irá amar e odiar o entardecer suado e quente de quartos escuros
Com cheiro a vinho azedo, a fumo entranhado em cortinas ridículas,
Saliva e esperma que se engolirá quando o coração já não sentir nada
A não ser a noite lá fora, fria, cheia de solidão e de verdade.
Partirão no último comboio, no último autocarro, no último momento
E não sei o que levaram dentro, se a saudade for uma dor possível no futuro
Que ninguém adivinha, levam a semente da melancolia
E algum sal para as lágrimas que se negarão à luz do dia.
Três mulheres e mãos vazias, sempre, à espera no passado
Assassinado a golpes de carne, passos em direcção ao erro e ao teve que ser,
Até ao fim do tempo da memória persistente, que torna a procura do vazio
Numa quase história de amor entre dois meses e quatro pessoas
Que só se encontram em sonhos ou em poemas desnecessários,
Enquanto se espera a liberdade do esquecimento, da leveza pesada
Com o suave toque da imortalidade cavalgando o hipocampo.
Turku
23.03.2011
João Bosco da Silva