terça-feira, 18 de setembro de 2018

LBV 2013 

Quem era eu enquanto as uvas amadureciam, 
O meu avô já nem sonhava com o bagaço desse ano, 
Eu perdido na felicidade com a mentira que mamava 
Daquelas mamas neolíticas, uma vontade imensa 
De perder-me, depois de teres acabado, ninguém se perde, 
Ninguém se vai, tudo muda, tudo acaba, 
Ficam apenas as ruínas, na terra e os que se arruínam, 
Nunca ultrapassarei nada, sejam os filhos que nunca serão meus, 
Sejam as mulheres que dão tudo, não ficando nada na verdade, 
Só uma recordação amarga no copinho das análises, 
Perdi-me na Itália mas juro que estiva momentos no Texas, 
Nunca tinha estado tão longe da terra como em Coimbra, 
Quem me dera ter sido mais estúpido, fazer-me de parvo mais tempo, 
Ter joelhos para ajoelhar a deuses menores da raspadinha de cu para o ar, 
Mas o meu país deixou de ser o meu lar há muito, 
Fossem uns quantos metros quadrados a minha pátria, 
Nunca me teria envergonhado das cores da bandeira, 
Doce como a mentira, vermelho como o ódio sincero, 
Gostava de ser mais racional, é tão feio, nem sei, 
As pernas a abrirem, acredito que hajam grilos mais inteligentes, 
Pelo menos quando se riem numa noite de luar, 
Não me dá vontade de lhes arrancar as patas a todos, 
O vinho desce, só porque a cerveja acabou, 
LBV de 2013, ainda tinha a felicidade perto, 
Acho que entretanto mudou o nome do meio, 
Nunca soube o que o meu amigo me diria num dia de tosse sincera, 
Ao menos os orgasmos eram bem fingidos, 
Nesse ano, podia ter sido feliz com uma máquina ferrugenta, 
Garrafas de vinho e um galinheiro, mas quase consegui 
Fugir da vontade de morrer com um sorriso, 
Nada verdadeiro te segue até ao fim do mundo. 

Turku 

18.09.2018 

João Bosco da Silva
Bolaño nº3 

Dois ou três fígados à frente, ando há semanas 
Para encontrar versos para isto, não era Dostoievsky 
À espera de uma bala, era o Bolaño à espera de um fígado, 
Contudo, não houve uma morte compatível, 
Um acidente feliz, por isso os dedos pararam, 
Mas quem terão sido os dois primeiros na fila, 
Que terão eles dado ao mundo com os anos extra, 
Filhos, já começam a cair das falésias como escorregam dos beiços, 
Mas quem se importa com palavras que podem salvar o mundo, 
Tudo pode salvar o mundo, mas no fim fica tudo na mesma, 
Umas horas colados a páginas, será isto o paraíso, 
Terão estes olhos visto a verdade que os dedos fizeram papel, 
Mais vale mais um filho, mal criado, mais um passo 
Para a extinção na ilusão de mais uma geração em direção ao apocalipse, 
Ao menos os meus olhos, ou do padeiro, naquele crânio 
Calcinado pelo último fogo, escorpiões com asas, 
Seja o que for que escreveram no livro com o mesmo nome, 
Dois fígados, na verdade nem era preciso tanto, bastava um pedaço, 
Desde que fosse compatível, tantos depois terão dito, 
Daria o meu todo, tão fácil, tudo, quando demasiado tarde. 

18.09.2018 

Turku 

João Bosco da Silva
Regurgitações Revisitadas 

O verão arrefeceu, a máquina parou, os marmelos, 
Já devem estar maduros, não tardam os vidros embaciados, 
Na cozinha, com a lareira a prometer incêndios caseiros, 
Como no verão do rei leão e os mexilhões do rio, 
Levados quase à extinção, porque a família toda, 
Agora o rio uma amostra de quando se vivia de verdade, 
Como revisitar um álbum de fotografias molhado, 
Umas quantas horas para fingir que ainda se é feliz, 
Uma mão cheia de mexilhões, quanto muito, 
Uma loirinha finlandesa a tomar conta de um vazio 
Demasiado grande para quem quer que seja, 
O verão frio, as andorinhas umas putas que se põem 
A milhas logo que as manhãs não lhe nascem douradas, 
A máquina aqui, a máquina tão longe, espera, 
Não esperes beber o copo que lançaste na terra, 
Nem reacendas o fósforo numa noite apagada, 
Nos primos mais jovens, já a última inocência, 
Viver é uma extinção imensa e singular, 
Na varanda a estas horas só cresce o pó frio das folhas mortas, 
Que esperas de janela aberta quando o Outono regressa, 
Além do cinzento que te pinta os ossos da cor da alma, 
E os meus dentes não trincarão a marmelada deste ano, 
Nem sei se as uvas estão boas, os pés lembram-se, 
O ano acaba logo no fim de Agosto, quando não há mosto 
No ar de Setembro, a aguardente mora ao lado do sono da infância, 
Não há verso que sirva, quando as fotos se descolam do álbum. 

18.09.2018 

Turku 

João Bosco da Silva