sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

 

Exercício de Nojo 

 

O asco de mais um dia vazio caminhando em direção a nada, 

Queimar o tempo como se tira um cabelo do ombro de alguém, 

Esperar numa queda constante que ao menos sol e nem a neve pega, 

Como o desejo que subitamente desaparece e não se sabe sequer 

De onde nasceu, a casa vazia, a bênção amaldiçoada do silêncio 

E da solidão, maior asco o de escrever um poema como os dois dedos 

Em pinça que pegam no tal cabelo, quando a vontade era de morder 

O corpo todo com a força de todas as ausências que crescem no futuro. 

 

05.02.2023 

 

Turku 

 

João Bosco da Silva

domingo, 12 de fevereiro de 2023

 

Algo sobre Pereira

 

Há um homem lá no bar

Sempre com um copo de vinho barato,

Sempre bêbado,

Com as suas galochas todas as estações,

Perdido em si mesmo,

Repetindo sempre o mesmo,

Vivendo os seus pesadelos em silêncio,

Gemendo por vezes,

Sujo, mas barbeado.

 

Às vezes dorme lá fora

Na rua,

No chão, só,

Como um cão sem dono,

Bêbado.

 

Há um homem que

Esteve na guerra, lutou pelo seu país,

Grande merda pelo que se lutar,

E agora o país

Vê-o como um bobo.

Jovens

Olham para ele como um velho brinquedo partido,

Pagam-lhe bebidas para o verem

Cair do banco,

Tiram-lhe o chapéu da cabeça,

Escondem-lhe a comida, os pertences,

E riem como se fosse a coisa mais engraçada.

 

Há um homem sem mulher,

Sem filhos, sem amigos verdadeiros,

Uma ruína, uma memória,

Longe do bar,

Longe dos jovens

À sua volta, à meia-noite.

Enquanto estes gajos se riem

Da miséria,

Os seus amigos fodem-lhes

As esposas,

As suas filhas chupam

Gaitas dentro de carros,

E podem até nem viver

Tanto quanto o velho viveu.

 

Há um homem lá no bar

Tão livre quanto o homem pode ser,

Sem nada a perder,

Nada a provar,

Perdido no seu próprio mundo

Porque o mundo exterior

Já o fodeu bastante.

 

B.

 

11/02/2011

 

Traduzido em 12/02/2023