Poema De Beber
“miracles happen
even in
hell”
Charles Bukowski
O vinho sabe-me à lentidão do tempo enquanto se espera, como se a vida algo mais que uma espera,
Mas engulo, continuo a engoli-lo como se fosse o xarope para a dor da alma, muitas vezes nem é por gosto,
Como não é por gosto que se fode, mais para a libertação egoísta de nós mesmos em alguém,
Subjugá-los também à nossa miséria, partilhar a nossa maldição de errantes pela existência
Sem saber muito bem porquê, nem para quê, resignados ao hábito dos pulmões, inspiração expiração,
E a poesia, sempre disse, é mais o relaxar de outros esfíncteres, quando não se aguenta mais o peso
Do tempo que passou e trouxe mais, demasiado, para o que existe dentro de uma caixa de osso
E tenta ser um universo, mesmo que finito, mesmo que sem deus e se inventem mil, acredito mais
Na mortalidade dos cigarros e por isso insisto em fumar, para que não me venha algo sem razão,
Sempre algo sem razão, só mesmo quando nós a encontramos e premimos o gatilho e a perdemos no momento
Que deixamos de ouvir a última explosão dentro de nós, a atravessar-nos a desligar-nos
As sinapses, apaga a luz antes de adormeceres, dizem enquanto fecham a porta do quarto,
Já aconchegados debaixo das mantas, não te venhas dentro de mim, dizem enquanto mal
Conseguem construir o pedido entre gemidos e que se lixe, sempre sabe melhor ver a conspurcação
Do corpo depois da violação da alma e bebo, bebo em nome dos que não podem beber mais,
Lá estarão num lugar melhor, porque nada, é sempre melhor que isto, se bem que, lá no fundo,
Se deus quiser, espero passar a eternidade num inferno à medida da minha vida,
Tenho-me esforçado, tenho rasgado o meu caminho em carne suficiente para construir um castelo,
Uma casa de horrores, cheia de gritos confusos, contaminações inocentes, mas com vontade inconsciente,
Por muito que se adie, a vontade de acabar o copo é sempre maior que o interesse na sua degustação,
Existe sempre aquela atracção mórbida pelo vazio, pelo paradoxo de mais para cada vez menos nós,
Até que a noite se canse e nos apague com ela, à porta do infinito, de olhos abertos, como um morto à geada.
Turku
09.09.2011
João Bosco da Silva