segunda-feira, 11 de setembro de 2023

 


Na sauna está mais fresco dentro de ti — Haikus de verão finlandês

 

 

Dançam os juncos

ao sol —

no papel o haiku.

 

Por mim passa

o mesmo vento

que ondula os juncos.

 

Na dança dos juncos

o ritmo

dos dias.

 

Dizem as nuvens

que está na hora

de acender a sauna.

 

Nos olhos do passarinho

a mesma dança —

vento e juncos.

 

Dentro de um bidão

enferrujado

crescem ervas.

 

Água do lago

lenha da floresta

fogo das minhas mãos.

 

Eleva-se das pedras

uma névoa quente —

água do lago.

 

No lago nenúfares

e o sol —

ouro sobre esmeralda.

 

Passa um navio

ao longe

ladra um cão.

 

Quente o corpo nu

nadando

em direção ao Sol.

 

No pequeno lago

junto ao mar

cisne solitário.

 

Na sauna

está mais fresco

dentro de ti.

 

Embalado no cais

as canas sussurram

impercetíveis segredos.

 

Tarde de julho

numa finlandesa —

morangos silvestres e mirtilos.

 

Sopa de peixe

a aquecer –

secam os remos.

 

Entro na cabana

lá fora

a vida continua.

 

Sob o peso do abelhão

a flor de trevo

quase toca o chão.

 

Teia de aranha

na janela

da cagadeira.

 

Parainen-Raseborg, Julho 2023

 

João Bosco da Silva

 


Ao longe um cão ladra às estrelas — Haikus

 

À beira do rio

o reflexo

de todos os verões.

 

No telhado do velho palheiro

dormita

um jovem gato.

 

Dourado

sobre a vinha velha

o último sol do dia.

 

Passa o rio­ —

onde o reflexo

da minha juventude?

 

No monte ao sol

a pele de uma cobra —

preservativo seco.

 

Festa na aldeia vizinha

grilos no jardim

da velha casa.

 

Ao longe

um cão ladra

às estrelas.

 

No bairro abandonado

os gatos vadios

são reis.

 

Na aldeia

uma de cada vez

amadurecem as framboesas.

 

Rio abaixo

levada pela corrente

uma abelha.

 

Abre a framboesa

antes de a meteres

à boca.

 

A Lua há momentos

em cima de um pinheiro

agora noutro.

 

No poço

cai uma maçã —

que terei esquecido?

 

Ouvir os outros

como se ouve

uma tempestade.

 

Como se ouve

o vento

ouvir o vazio.

 

Ouvir palavras vazias

como se ouve

o vento.

 

O caminho mais longo

é o do silêncio —

regresso a casa.

 

A videira abraça

ausências

e distâncias.

 

Longo é

o caminho

do silêncio.

 

À sombra do negrilho

que secou

a infância.

 

Horas em branco

preenchendo

páginas de vazios.

 

Quanto teremos

que acabar

até ao evidente?

 

Acordar com o som

da primeira água

da agueira.

 

Ao sol três caixas de figos

e as mãos do meu pai —

anoitece.

 

Termina o torneio

de sueca

o sol põe-se.

 

Portugal, Agosto 2023

 

João Bosco da Silva