Dentada Numa Noite Perdida
«”It´s okay, girl, we´ll
make it
Till the sun goes down forever
And until then what you got
to lose
But losing? We´re fallen
angels
who didn´t believe
That nothing means nothing.”»
Jack Keroauc, Book of Blues
Podia voltar, enganar a fome a que chamam saudade, aquela
fome do que se comeu,
Do perdido, do que digerimos de forma irreversível e faz
parte de nós, podia voltar,
Mas nunca seria a mesma coisa, eu não teria os mesmos olhos,
a minha língua tomou calo
Com os anos, os meus dedos só sentem na profundidade e mesmo
aí, duvidam se vale
Realmente a pena, podia voltar, mas tu não serias tu e mesmo
que fosses, eu não seria eu,
Ainda que aquela rua exactamente igual, à mesma hora de outro
dia, de outro ano,
Nunca seria tão intenso e real como a memória que ficou dos
teus dentes a rasgar a carne
Da noite e do meu lábio inferior, querias-me levar dentro,
engolir-me, tornar-me saudade,
Teu, hoje somos apenas nós, eu, tu, nunca aqueles que fomos,
esses vivem ao lado do sonho,
O taxista que me levou a casa ainda deve andar farto de
fazer o mesmo, a queixar-se que está
Tudo cada vez pior, deve ter as suas razões, eu digo que
está cada vez tudo a tornar-se nada,
Constantemente e a nossa maldição é trazer o saco de carne
cheio de fantasmas, tão reais
Como a dor que se sente, aquela dor de ausência, uns
chamam-lhe saudade, eu nem sei
Ao certo em que rua foi, nem qual era a cor do táxi, nem se
o taxista tinha bigode,
Mas ainda consigo sentir o teu sabor, a textura da tua
língua e a dor latejante que levei.
03/09/2014
Turku
João Bosco da Silva