quarta-feira, 22 de setembro de 2010



Portugal


Portugal, estás a gozar comigo ou és mesmo a brincar?

Portugal, abres portas para um futuro que é um mar,

Uma vida à deriva, um cérebro desperdiçado a fazer contas numa caixa de supermercado,

Uns olhos que vêem, que trabalham numa livraria cheia de mortos, de olhos para sem vida?

Portugal, quando nos levas a sério, a nós que te julgamos um país tão exemplar,

Com tantas leis que tentamos cumprir como crianças sem compreender a vida de verdade?

Portugal, quando regressam as naus dos aventureiros que morreram no passado,

Dos que nunca deram origem aos portugueses de hoje, porque tem tanto medo de saber que és a brincar.

Portugal, quando deixas o passado e te agarras ao futuro que deixaste desprezado no passado,

Quando uns pisavam a revolução industrial e tu esperavas que o ouro roubado fosse para sempre?

Portugal, para que me deixaste acreditar que eu era capaz, se sabias que não me ias dar asas para voar?

Nem valorizas as laranjas que as mãos honestas colhem, nem o azeite, nem o vinho, nem a cortiça, nem o Sol: só os ingleses, os espanhóis é que têm bom gosto?

Portugal, para quê as tuas mentiras de cabelo branco para os cérebros de telenovela,

Se me andaste a fazer gente com olhos para fora? Para que me deixaste ser olhos para fora

Se andas de agulhas ferrugentas a furar glóbulos oculares?

Não tenho mais nada a fazer em ti a não ser afogar-me na tua produção nacional de cerveja,

Porque ainda tento valorizar a produção nacional de alguma coisa,

Mesmo que seja para não ver as pontes que caem porque tu andas de olhos fechados

E nos deixas andar por aqui, a pagar direitos que afinal nos deixam cair nas águas escuras

E morrer. Ainda pagas o direito ao uso das pontes do império romano?

Somos sempre os melhores, mesmo que nunca perto dos primeiros,

Convencidos de que afinal… convencidos do nosso erro, cegos por ti, Portugal.

Amanhã é que vai ser, mas tem sido sempre amanhã desde que me lembro

E o amanhã chega e nada, tudo pior que o igual, sempre mais uma mentira que ontem.

Números que poucos percebem e todos votam nas caras sorridentes da mentira

E tu deixas, Portugal, tu deixas e ardes todos os verões e és inferno todos os invernos

Nas cidades grandes, em especial nas cidades grandes, além de papelões das riquezas de poucos.

Tu és uma merda Portugal. Dá-me uma ponte alta, dá-me um cartucho cheio de chumbo, de verdade,

Dá-me uma liberdade que seja real e não a falsa igualdade de direitos.

Não sabes que as tuas crianças sofrem, que os teus deuses são uns filhos da puta que estão a matar o teu futuro?

Deixa-te andar que o fim é sempre em frente, não pares que o abismo está lá no fim

Desse caminho. Levas-nos a todos, já devias saber, mas tu também vais,

Também vais porque somos todos Portugal, ou julgas-te um nome, uma ideia: somos nós.

Só as terras lavradas por burros são dignas da tua glória passada,

Da tua glória duvidosa. Nunca te vivi como agora, sei lá das páginas que têm escrito,

Se tudo em ti me parece uma mentira, tudo a brincar.

És o meu país Portugal? És mesmo um país? Não sei mesmo, já não sei nada,

Depois de tanta desilusão, de tanta ilusão consciente de mentira.

Já não se pode ter voz em ti, mais uma vez, andas para trás orgulhoso das tuas revoluções: para quê?

Estou aqui a enterrar-me na areia do parque infantil só porque já bebi o suficiente para abrir a voz dos olhos.

Já não conheço as tuas cores e a televisão de manhã, diz-me que és um país ridículo,

Um país que quer agradar a quem anda por andar, que nem tenta abanar a vida

E dizer, acordem, estão a viver a vossa vida, a vossa vida: a vossa vida!

Que interessa o que diz um brinquedo? Não estou aqui para brincar, sou dos muitos brinquedos,

Para satisfazer a imaturidade de líderes de merda: disse “líderes de merda”?

Portugal, estou fodido e ainda por cima disse que estou fodido.

Deixas andar homicidas de almas pelas ruas da rua de todos, enquanto condenas

Quem rouba um pão para matar a fome a corpos que morrem de miséria.

Ser lento para quem queres, para quem pode brincar, deixas andar…

Implacável para quem não tem um centavo para dizer “eu sou gente”

E um grito mudo que só a família sente no coração colectivo.

Sinceramente… deixa-te de merdas de uma vez por todas!

Sê no que podes ser e deixa-te de mostrar aos outros de outros tamanhos que ainda és capaz.

Já foste e agora cala-te, agora agrada a quem és: és os portugueses…

Ou só alguns? Queres ser uma Rússia de hoje? Estás a passos, mesmo tão longe,

Mesmo sem o tamanho real. Oito e oitenta mortos de fome no frio da injustiça social.

Pensas que te basta acreditar no comprimento dos braços para alcançar?

Querias ser, estar além do Atlântico há tantos anos…

As revistas cor-de-rosa a dar corpo à vida da conversa do que tu és

E eu quase a vomitar, apesar de não ter bebido para tanto.

Não és um país disciplinado, sabes bem que não. Não exijas ser o que não és,

Começa por ti, por cada um de ti, aos poucos. Não podes arrancar valores e transplantar valores,

Ou não sabes o que é a psicologia? Vamos, envia mais uns soldados com bandeiras minúsculas

Ao ombro, para te fazeres notar no mundo real,

Enterra-te mais no teu buraco e finge que és importante. Ninguém te liga puto Portugal!

Têm pena de ti e mesmo assim te pagam e te fodem, porque até a cultura vendes por…

Diz-me tu Portugal, por que te vendes? Essa ferrugem ainda é para ficar por muitos anos?

Está na hora de levares a vida a sério, de seres um país para todos,

Ou só cagas filhos para os deixares na merda? Ainda os adoptas para os tratares como escravos?

Para que dizes que dás direito a todos de serem eles, eles portugueses, se depois te armas em anos quarenta?

O papa não é Jesus, ninguém é Jesus, ninguém mais, para quê tanta subordinação,

Tanta vela desperdiçada em mentiras. Luxo desperdiçado em imagens enquanto os teus filhos choram de estômagos vazios.

Ponham-se a andar, não esperem por milagres. A fome não se cura com orações.

Os teus filmes: merda, porque são demasiado reais na sua ficção,

Porque tentam dizer demasiado que é ficção a puta da verdade que sente quem nem é actor.

Pensas que os primeiros têm a graça do senhor e se põem a dormir à sombra do passado?

Pensas que as lágrimas dos pesadelos das crianças são a brincar? Não sentes o salgado na tua língua fria de país cego pelo poder? Poder… ridículo!

Que é afinal deus nesta merda? Quem se vai safar da morte, quem não cai depois de garrafa e meia de Jameson, quem mata e não morre um pouco por dentro (nem sente a morte dos que ainda se arrastam)?

Como podes pedir ao teus filhos maiores que deixem de ser portugueses,

Não te sentes bem com a verdadeira grandeza? És uma inquisição cerebral,

Queimas as ideias plantadas em becos sem saída e um salário para comer durante um mês,

Um mês a menos para a miséria de uma reforma: um dia menos para morrer, que isto nem vale a pena.

Gostam que lhe caguem em cima e eles é que o fazem a quem está a tentar viver a vida,

Inocentes das perversidades dos deuses (sempre feios apesar dos cabelos brancos a imitar actores de Hollywood).

Só queremos apagar as horas depois do jantar para acordar de manhã

Para a máquina de engrenagens irregulares que tu és: Portugal.



22.09.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva