sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Carta A Poema

Crias na tua aborrecida rotina doméstica, realidades improváveis
Em forma de difamação, estando tu tão certa da própria desilusão,
Crias utopias que só tu não entendes, páras de ti com mais um
Cigarro e no fumo vês-te a chupar a ilusão e o desejo, com as
Mesmas ganas que usas para  masturbar e escrever, só, devias
Dar-te mais, nunca te disseram, ao menos à vontade, sempre te foi
Fiel aos dedos, sê mais carne, deixa as palavras, cada um dá-lhes
A cor e o valor que quer, a beleza é o que é e mais nada, e é tua,
O suspiro é universal e o orgasmo é a única moeda que nunca
Desvalorizou, não é que eu queira que me pagues a amizade, mas
Podias aceitar um agradecimento viscoso, sincero e ilícito, pela
Tua voz de vela de cemitério e sonho gótico ganzado, não penses
Que te ficarei a dever, não um poema, que apesar de, preferi o
Olhar de esfinge ao espelho, quando o espelho um bruto, eu, o que
Desejaste foi o teu reflexo selvagem ou então a submissão ao
Magma antes de se tornar pedra, sólido, seguro, duro e irreversível
Como o tempo demasiado tarde, é algo que não existe, é como a
Morte e o não podemos, quando vivos e na idade do agora porque sim
E chega de não, a eternidade já te negará tudo e a idade trará
A escassez hormonal, apesar de cada vez conheceres mais gente,
Cada vez menos terás contigo a gente que interessa, esquece
O Nilo, eu já o atravessei de uma ponta à outra, literalmente, e não
Me lembrei das civilizações, dos amontoados de pedras, dos deuses,
Do início da escrita, mas dos cadáveres que aquela água já lavou,
Caga no simbolismo, no misticismo e na depuração de legista, confesso-te que
Três meses sem tesão, depois de ver os órgãos reprodutores femininos
Numa caixa transparente, o champanhe sabe melhor sorvido
Dos lábios de uma cona quente, a morte só me inspira por revolta,
Nunca por simpatia, esquece os baús bolorentos, cultivados com,
Quem sabe quem, esporos bem recentes, por fungos ladradores, ignora,
A geada é má para os cogumelos, por isso apanha-os nos dias húmidos
Nos fins de semana da época da escola primária, compreendes,
Foder com inocência, sem o apodrecimento induzido pelos santos
E pelo catecismo, se ao menos as catequistas a tua voz ardente
Num quarto escuro, ou num palheiro em Julho, a poesia tem que vir
Depois do poeta se vir, mas que sei eu, que com os meus escassos anos
Não fiz mais nada a não ser viver, que outra escola tiveram os
Meus ídolos, que bem conheces, pinta-me antes a mim com a tua
Vontade psicadélica de sacrilégio e pecado, usa-me depois como vírgula nos
Versos dos teus piores poemas, ou na ponta dos dedos debaixo do
Chuveiro, que é quando és realmente tu, só tu e só aí, podemos estar
Juntos, ou nas gotas de uma janela num dia húmido e triste,
Usa-me como o cotovelo na mesma janela, embaciada, abrindo
Um pequeno buraco para o mundo onde vivem os vizinhos, ou melhor,
Esquece-me, para eu poder recordar-te com aquela saudade única
De quem passa sem ter deixado nada, de quem passa e leva tudo,
Pesadíssimo e no fim, nem a palavra esquecimento, a mais horrível de todas,
A que torna a vida tão injusta, não te aborreças mais, ignora
A louça suja, a cama desfeita que há semanas nem gota de sumo ou
Leite, não te esforces por alinhar o naturalmente irregular que só os
Outros vêem, deixa a métrica para os quadrados, vem, vem-te muito.

Coimbra

03.10.2013

João Bosco da Silva


(TA contessa 2 de luxe)