sábado, 20 de fevereiro de 2021

 

Panero

 

Um cão ladra na agonia do vazio, a última memória num soluço,

A realidade é a flor da mentira que o vento cospe no silêncio,

Nus, nascemos, condenados ao terror, ao lamento e à dor,

A ciência é o horror à sujidade, é o grito nas trevas frias da noite,

O instante, o terrível reflexo das moscas no nada,

Verme nu queimado pelas horas do ser.

 

Turku

 

20.02.2021

 

João Bosco da Silva

 

María

 

Passa o suicida a unha nos ossos do cordeiro,

Iluminados pela Lua, tumba de todos os heróis,

Cantam as rãs com fúria, a ruína e o fastio,

O vento dos vencidos, destroçado no esquecimento

E na vergonha de um cadáver, deus é um nada idiota

E a poesia é o cadáver de um naufrago,

É a serpente que cospe esplendor na miséria

E no esperma, é o soluço de medo,

De uma boneca num jardim incendiado.

 

Olhava (comboio)

 

18.02.2021

 

João Bosco da Silva

 

Na Estação de Kemi

 

Passados mais de dez anos a Lua gelada de Kemi,

Onde estará a recepcionista daquele hotel,

Que acabou por dormir no meu quarto

E de manhã se despediu como quem se despede do verão,

A Lua parece ter mantido a juventude de tudo o que é eterno,

Alguém passa e olha-me enquanto a janela do comboio permite,

A Primavera parece impossível, mas não tarda.

 

Kemi

 

18.02.2021

 

João Bosco da Silva